Paul Pope e aspectos arquetípicos do Herói em Bom de Briga
A arte mais realista, nos quadrinhos de super-heróis, não é nenhuma novidade. É óbvio que esse tipo de representação gráfica, em inúmeros casos, é a melhor escolha para determinado tipo de história. O problema é que isso se tornou uma espécie de exigência do mercado, em se tratando das grandes editoras. Exceções existem, é claro, mas o experimentalismo e a ousadia, tanto no traço em si como na própria narrativa visual, ficam restritos a séries de personagens menores ou histórias alternativas. Um bom exemplo disso é a elogiada fase do Gavião Arqueiro, de Matt Fraction e David Aja, na Marvel. Calma, pois já chegaremos a Bom de Briga (Battling Boy), a razão de ser deste texto.
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Se isso é bom ou não, cada um julga pelo critério que achar melhor. Fora dos holofotes, existem várias editoras de quadrinhos investindo em coisas diferentes, mas a grande massa de leitores ainda se forma dentro do eixo Marvel/DC, condicionada, portanto, a essa massificação editorial. Claro que isso não é uma regra que se aplica a todo mundo que consome esse material, mas os números de vendas mostram uma rejeição a um tipo de arte mais estilizada. Seria realmente uma pena que alguém, por puro preconceito, deixasse de conferir o trabalho de Paul Pope.
Pope é um caso bem peculiar. Começou sua carreira na editora japonesa Kodansha, onde criou mangá Supertrouble. Publicou THB e One Trick Rip-Off pela sua própria editora, a Horse Press. Pela DC/Vertigo, publicou 100%, Heavy Liquid e – no esquema já citado de histórias alternativas – pôde criar sua versão do Homem-Morcego em Batman Ano 100. Também teve participações especiais na Marvel em X-Tatix e Strange Tales. Essa trajetória, com muitos outros trabalhos, já lhe rendeu mais de um prêmio Eisner, o que não é nada mau para alguém com um estilo tão pouco comercial. Agora é o momento de entrar na razão deste texto existir.
Se você gosta de super-heróis e se interessa pelos seus arquétipos, Bom de Briga é uma HQ indispensável. A cidade de Arcópolis sofre com monstros gigantes e um grupo de seres estranhos que sequestra crianças. A única defesa do povo é o herói-cientista Haggard West, auxiliado pela sua filha adolescente Aurora, mas quando West cai em uma armadilha de seus inimigos, Arcópolis se vê precisando desesperadamente de alguém que os proteja. É aí que entra um relutante semideus, mal saído da infância, empurrado por seu pai para a tarefa, criando uma situação que é facilmente definível como uma representação pop do ideal heroico grego.
Pouco disposto em deixar para trás a boa-vida de criança, o menino é lançado do seu panteão interdimensional para se tornar o novo herói de Arcópolis, levando apenas a roupa do corpo, mais uma capa e uma mala com camisetas mágicas, cada uma com seu animal totem estampado, que lhe confere seu poder quando a veste . A limitação é evidente, comparado com seu pai, um deus da guerra acostumado a matar monstros de todo tipo. A essa altura, talvez tenha sido possível perceber que essa mistura de heroísmo retrô, ciência, aventura, divindades interdimensionais e monstros gigantes deve muito a Jack Kirby, não por acaso uma das influências assumidas de Pope. Desde os gibis com monstros de nomes extravagantes, até as sagas cósmicas pessoais, tudo foi misturado neste liquidificador cultural.
Um menino que age de acordo com sua idade
Tudo poderia se resumir a uma história batida de superação e encontro da força interior, mas não é apenas a arte de Paul Pope que chama atenção. O texto consegue se conectar com seu leitor pela caracterização sincera do personagem, pois mesmo sendo uma aventura alegórica, qualquer adulto vai sentir como a imaturidade do menino Bom de Briga soa crível, talvez até lembrando de alguma situação específica em que agiu de forma parecida. Como os mitos sempre foram o caminho para falar da vida real, a HQ consegue uma ressonância similar, muito bacana de se observar.
Battling Boy foi publicado originalmente em 2013, pela First Second Books. A edição nacional, pela Companhia das Letras com seu selo Quadrinhos na Cia., acertou na mosca na escolha do título nacional, que casa muito bem com o projeto gráfico. A impressão e a gramatura do papel dão um prazer a mais ao leitor brasileiro, acostumado a ver muita coisa mal-feita nas prateleiras. Paul Pope ainda não lançou o segundo volume, mas expandiu esse universo enfocando outra personagem, com o especial The Rise of Aurora West, co-roteirizado com J. T. Petty e desenhado por David Rubin.
Enquanto não sai Bom de Briga 2, seria legal que os leitores brasileiros conhecessem a história de Aurora, não?