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Astronauta – Assimetria | Assimétrico em relação aos anteriores!

Astronauta – Assimetria sofre do “mal da terceira parte”

Quando Astronauta foi anunciado como primeiro título da linha MSP, tanto o selo quanto o volume eram absolutas incógnitas. Entretanto, alguns anos depois, não só o selo MSP é um sucesso inquestionável como o próprio personagem se tornou o personagem de maior sucesso dentro dele. Na verdade, não é exagero dizer que Magnetar, o primeiro volume – que, junto com o segundo, Singularidade, ganharam um Formiga Na Tela – é o melhor do selo MSP, e uma das melhores coisas produzidas em quadrinhos de ficção científica nos últimos anos. Foi sob essa chancela que Astronauta – Assimetria, o terceiro volume do personagem reimaginado, foi lançado no ano passado na CCXP 2016.

Astronauta - Assimetria | Terceiro album de Danilo Beyruth com o personagem

Astronauta – Assimetria

Mas – tem sempre um “mas” – agora que se tornou uma trilogia, a saga do Astronauta e seu autor, Danilo Beyruth, nos obrigam a ligar o alerta amarelo. Infelizmente, Assimetria sofre do eterno mal de todas as terceiras partes de uma obra, sendo claramente a de menor qualidade narrativa. Enquanto Magnetar ronda adjetivos como “brilhante” e “obra-prima”, Astronauta – Assimetria ronda “genérico” e “dispensável”. A ladeira abaixo não é só vísivel, como preocupante.

Nosso caro Astronauta Pereira se recupera dos eventos ocorridos no volume anterior, Singularidade. Ao desfrutar da paz e da tranquilidade da sua cidade natal, entretanto, Astro se depara com uma parte de seu passado, e em algo muito semelhante a um surto, decide imediatamente retornar ao espaço. Para sua sorte – ou não – um pico de energia vindo de um dos polos de Saturno precisa ser investigado, e ele retorna ao seu território natural – as estrelas. Como não poderia deixar de ser, o que era uma missão de rotina se torna um problema de escala cósmica, que só ele pode resolver.

A premissa já indica que Assimetria se assemelha, em tom e execução, mais a Singularidade do que a Magnetar. Muito mais um thriller de ação e aventura sci-fi do que um drama intimista, a história tem um tom menos pretensioso em termos de complexidade, mas grande em termos de escala. O que o autor quis fazer, assim como nos volumes anteriores, foi calcar a história desse em algum tipo de referência clássica. A bola da vez não poderia ser melhor – o autor faz um retorno às origens nerds e escolhe os colossos Stan Lee e Jack Kirby como seus “homenageados”. E foi aí que Beyruth pisou no caqui.

Astronauta - Assimetria | Terceiro album de Danilo Beyruth com o personagem

Por mais que todos nós amemos as histórias de Lee e Kirby – e se você não gosta, por favor, vá embora e não volte mais – todos nós sabemos que isso envolve muito de memória afetiva. A qualidade das histórias era questionável, e os desenhos feitos às pressas. O que significa que, se você vai homenagear esse tipo de coisa, você precisa entender que existe um limite muito tênue entre o clássico e o tosco. Conforme Assimetria se desenvolve, nós vamos percebendo que Beyruth vai perdendo esse limite de vista.

Esse processo tem início logo nas primeiras páginas. Enquanto o primeiro álbum do personagem marca o leitor pela apresentação sutil de conceitos científicos complexos, Assimetria abraça a verborragia típica de Stan The Man, simplesmente vomitando tudo o que o leitor precisa saber da ciência que envolve a história logo no começo, sem dó nem piedade. Isso já causa um estranheza, pois a maneira como isso é apresentado é demasiadamente didático, de muitas formas, até condescendente com o amigo leitor.

O problema é que os gibis escritos por Lee tinham um público-alvo infanto-juvenil, o exato oposto de Astronauta – ou, ao menos, o público de Astronauta formado pelos dois volumes anteriores. A sutileza do primeiro envolve e conquista justamente porque ela respeita a inteligência do leitor, o que não ocorre aqui. Beyruth parece querer simplesmente atropelar essa base, para chegar ao que ele acredita que interessa: a ação.

O que, de novo, não é algo necessariamente ruim. O problema é a execução mesmo. Quando as coisas finalmente começam a acontecer, e a coisa vira um emaranhado de conceitos cósmicos abstratos – com direito a uma explícita homenagem à Galactus e seu Arautos – misturados a uma tentativa de manter uma base de ficção científica. E a história se perde conforme o volume avança, as páginas vão acabando, e se percebe que não existe uma progressão aceitável desses eventos.

Astronauta - Assimetria | Terceiro album de Danilo Beyruth com o personagem

Quando começa a se desenvolver alguma implicação científica e objetiva para as ações tanto de heróis, como de “vilões” – em aspas, porque o termo não se aplica bem aqui – o volume acaba, e o que nós vemos é uma narrativa que remonta às aventuras mais rasteiras e bobinhas de super-heróis cósmicos dos anos 1960/70. Se Beyruth queria fazer uma homenagem ao período, ele conseguiu com perfeição – para bem e para mal.

Outra característica, que não chega a ser um problema, mas que diminui ainda mais o impacto da obra, é que o autor decidiu abertamente transformar Astronauta em um saga mesmo. Não há um encerramento propriamente dito em Assimetria, mas um gancho colossal para o próximo volume.

Talvez isso dê a ele a chance de melhorar, ou mesmo corrigir, a perspectiva sobre os eventos do volume, mas não deixa de ser ligeiramente decepcionante, já que Magnetar e Singularidade funcionam tão bem juntas como separadas, enquanto Astronauta – Assimetria depende abertamente de um contexto maior. O medo aqui não é que Astronauta seja ruim, porque seus volumes passam muito longe disso – o medo é que Astronauta se torne algo comum, genérico dentro do universo dos quadrinhos.

A arte ainda é um diferencial

O bastião da resistência fica por conta da arte. Aqui Beyruth não erra a mão de jeito nenhum. As paisagens em Titã e Saturno são absolutamente deslumbrantes, e seu trabalho com as expressões dos personagens e ambientes internos continua de um preciosismo encantador. Isso sem falar da cereja do bolo – as entidades cósmicas, nas quais o autor emula com perfeição e correta reverência o estilo de Jack Kirby. O design trabalha com as cores e formas geométricas típicas dos panteões criados pelo lendário desenhista e são um deleite para os olhos.

Astronauta - Assimetria | Terceiro album de Danilo Beyruth com o personagem

Principalmente, também, pela colaboração da colorista Cris Peter, que deu cores digitais à Assimetria sem, em qualquer momento, desrespeitar o tom da obra. Sua paleta de cores e focos de luz flui com perfeição junto com os ambientes e personagens da narrativa de Beyruth, como os dois formando uma parceria que chegar a parecer natural.

Astronauta – Assimetria é um volume que vale a pena ter na estante. O perigo é que, mantido esse padrão descendente, ele pode ser o último Astronauta a merecer uma avaliação assim. E nós simplesmente não podemos abrir mão de um personagem que, aos poucos, se torna uma referência em ficção científica brasileira.

Parafraseando o falecido David Bowie em Space Oddity:

Ground control to Danilo Beyruth

Your circuit’s dead, there’s something wrong…

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