Super-herói no Brasil é um caso complicado. Não tanto por ser um produto estadunidense da gema (afinal, o rock também é), mas por estar mais associado a alguns aspectos culturais norte-americanos, onde uma indústria surgiu e consolidou-se em torno deste tipo de personagem, diferente dos outros mercados fortes pelo mundo, que seguiram caminhos bem diversos. No entanto, quando falamos de quadrinhos, qualquer tipo de investida em nosso mercado é bem vinda, mesmo trilhando um caminho já bastante explorado e desacreditado pela maioria. Às vezes, isso é até um fator de motivação.
Anarquia tem suas edições disponíveis gratuitamente pelo aplicativo para Android da Supernova Produções, encadernadas neste primeiro volume, Três Lados Para Cada História, que conta uma história de origem em quatro capítulos. Criação do roteirista Emílio Baraçal, aqui acompanhado por vários desenhistas (Danilo Beyruth assina a capa do encadernado), a HQ tem uma trama envolvendo política, conspiração, experimentos científicos, agentes sobre-humanos e o que mais costuma vir neste pacote, culminando no surgimento da heroína-título. Adriana Katsumoto é filha de um militar de carreira e sua mãe se encontra em coma há bastante tempo. A jovem sofre com lapsos de memória, voltando a si em lugares estranhos, mas ainda sem preocupar-se tanto com isso. Quando um hacker entra em contato, prometendo a verdade que existe por trás deste distúrbio, a vida de Adriana muda radicalmente.
Navegando em águas bem familiares, essa premissa tem aquele sabor de filme de ação que não inova, e nem tenta, porém diverte. Isso fica mais evidente quando conhecemos aquele que ocupará a vaga de mentor na vida da garota, que parece ser uma homenagem deliberada ao eterno Snake Plissken de Kurt Russel. Se em questões conceituais a HQ se segura, por outro lado, deixa um pouco a desejar em termos de diálogos. Como muitos trabalhos brasileiros deste gênero, o texto acaba pesando quando descamba para o explicativo, além de certas falas não soarem adequadas quando saem da boca de determinado personagem.
A quantidade de desenhistas, compreensível pelo caráter desta empreitada, também se torna um problema ao longo das páginas. A fluidez da narrativa é prejudicada pela quantidade de estilos, tanto de traço quanto diagramação, além do pouco esforço no trabalho de expressões corporais e faciais em algumas páginas. A decupagem de algumas cenas de ação também sofre neste processo e prejudica a imersão. Visualmente falando, existem bons momentos, claro, mas o conjunto é irregular.
Voltando às questões textuais de Anarquia, existe um detalhe bacana que vale citar agora. A esperteza de agregar algo característico nosso em uma história que lembra tanto as gringas, sem apelar para aquele tipo de brasileirismo previsível e enlatado, acaba fazendo muita diferença. Emílio investe naquela bem conhecida revolta do nosso povo contra a corrupção, aproveitando para discutir a inércia e a conivência com ela, brincando até com um certo político que já virou folclore por aqui. A intenção parece ser a de provocar uma catarse nos leitores, não tão contundente ou polêmica quanto em filmes como Tropa de Elite, mas algo por esse caminho.
Pesando os prós e contras de Anarquia Vol. 1 – Três Lados Para Cada História, além ser um esforço reconhecível em torno da crença de que super-herói pode funcionar em nosso ambiente, também parece revelar algo de seu próprio criador, no que se refere a ideais e visão de mundo. Em qualquer trabalho, perceber esse tipo de entrega e comprometimento já vale a leitura.