Alive é um daqueles exemplos que confirmam a habilidade japonesa com temas de horror
Eu sei que a gente vem falando disso aqui já tem algumas semanas, já que publicamos resenhas de Fragmentos do Horror e Coin Laundry Lady recentemente. Mas se tem uma coisa que japonês adora e faz bem, é tocar o terror na galera. E para nossa felicidade, as editoras brazucas de mangá parecem estar redescobrindo esse nicho – inclusive investindo para trazer alguns clássicos do gênero para cá. É o caso de Alive, de Tsutomu Takahashi, trazido recentemente pela Panini.
O título traz aqueles bons e velhos tropos típicos do horror japonês – elementos sobrenaturais usados com naturalidade, para de alguma forma lançar um olhar sobre determinados aspectos da natureza humana. No caso de Alive, nós acompanhamos o assassino Yashiro Tenshuu logo após sua condenação à morte.
Entretanto, para imensa surpresa de Tenshuu, enquanto aguarda no corredor da morte, é dada a ele uma escolha – ele pode escolher viver ou morrer. Simples assim. Certo? Não vou desrespeitar sua inteligência fingindo que não há uma pegadinha aqui – afinal, como a história progrediria, correto?
Pois bem, quando Tenshuu obviamente escolhe viver, ele é levado para uma instalação onde encontra outro indivíduo que fez a mesma escolha nas mesmas condições. Ali começa um período de “acomodação” – eles recebem alguns mimos e basicamente tudo o que eles pedem por um curto período de tempo. Porém, um certo dia, algo muda.
Eles são presentados a uma menina do outro lado da parede de onde eles estão. E é aí que a brilhante e pervertida mente japonesa começa a entrar em ação. Pois é óbvio que a menina é um verdadeiro pitéu, e aparentemente meio letárgica – um alvo fácil para os abusos de um sociopata. Qual a condição para ser colocado na mesma sala em que a garota? Um interno precisa matar o outro. Eu avisei que era horror pervertido japonês raiz.
E falando em horror japonês raiz, é claro que não poderia faltar outra característica essencial ao gênero: o elemento sobrenatural. Porque a tal menina não é apenas gado esperando o abate – pelo contrário, Tenshuu e seu elusivo companheiro vão aprender que eles foram colocados ali com um motivo. A menina esconde uma força maligna dentro de si, que precisa ser urgentemente transferida para outra pessoa. E Tenshuu rapidamente começa a ponderar que viver talvez não tenha sido a melhor escolha.
Alive foi originalmente publicado em 1999, em dez capítulos. E é curioso que ele não tenha chegado aqui antes – é um prato cheio para os fãs do gênero. O desenvolvimento cadenciado da história, associado a uma constante espiral ascendente de tensão, provocada pela compreensão do mal que habita a garota, faz com que o mangá seja facilmente envolvente.
A diagramação dos quadros, típica da escola japonesa, ainda é igualada por poucos – Takahashi sabe quando centrar quadros fechados mais tradicionais para conduzir a narrativa, como sabe quando abri-los para fazer o leitor imergir no horror diante deles. De fato, existem muitos closes nas intensas expressões dos personagens, alternados com quadros abertos de momentos de horror, como se o mangaka nos fizesse entender que aquele não é o ponto de vista de Tenshuu, mas o nosso próprio.
Arte intensa e imersiva
É claro que, para realizar algo assim, a qualidade da arte não poderia decepcionar. E de forma alguma decepciona. Pelo contrário, é o ponto mais forte do mangá. Porque, embora tenhamos destacado a trama de início, seu desenvolvimento é dentro de uma narrativa muito mais intimista, onde muita coisa deixa de ser explicada como forma de exaltar a tensão do horror no desconhecido.
Dessa forma, enquanto ficamos deliberadamente perdidos na história, a brilhante arte de Takahashi intensifica esse estado estupefato do leitor diante do horror. O excelente trabalho com hachuras do autor torna Alive uma experiência intensa, e a falta de elementos de suporte na narrativa só torna o mangá de mais difícil digestão.
Por outro lado, temos que fazer essa ressalva. O amigo leitor que está esperando uma narrativa mais normativa pode acabar torcendo o nariz para Alive. É um fato que Takahashi não está nem um pouco interessado em oferecer explicações para o leitor – ele quer intensificar a experiência do horror tanto quanto possível. Mas, claro, isso pode ser bom ou ruim, dependendo do que o leitor espera.
Essa escolha de Takahashi em relação a narrativa fica particularmente clara quanto ao encerramento do mangá – é um comentário quase geral que o final dele é entre ligeiramente até muito decepcionante, justamente porque ele não oferece explicações nem amarra as pontas deixadas para trás através da narrativa.
Mas aí, temos que fazer considerações – o horror não é um gênero que prima necessariamente pelas suas histórias. Em muitos momentos, a coisa toda é muito mais sobre a experiência do que sobre a técnica narrativa em si, e isso é sim relevante. No caso de Alive, a opinião – estritamente particular – deste patético articulista, é que o mangá deve ser vivenciado, imerso, e não tanto avaliado. Se o amigo leitor se permitir comprar a premissa da narrativa, a experiência pode ser bem interessante.
Na verdade, essas publicações e republicações recentes só me levam a crer que poucas escolas no mundo dominam certos gêneros tão bem quanto os japoneses dominam o horror. É quase como se eles já nascessem sabendo como fazer as pessoas se arrepiarem.
Portanto, a todos os meus amigos nipo-descendentes, espero que me perdoem se eu ficar longe de vocês por um tempo…