O terror adolescente em Alena
Se um homem, ao criar uma personagem feminina, pode errar a mão ao se prender em estereótipos, ou mesmo confiar em seu instinto para adivinhar o que pensa e sente uma mulher, imagine quando a dita cuja está naquela que é a mais inspiradora e complexa das fases da vida. Senhoras e senhores, com vocês, a adolescência! Que atire o primeiro diário ou mesmo aquele bilhetinho escrito, mas nunca entregue ao primeiro amor, quem não guarda alguma lembrança tenebrosa desse período. O sueco Kim W. Andersson é como você e eu, só que suas experiências juvenis resultaram em uma HQ que o próprio autor enquadra no gênero terror romântico.
Alena, lançada este ano no Brasil pela editora AVEC (que, aliás, tem investido muito em quadrinhos, inclusive autores nacionais, como os gaúchos Cesar Alcázar e André Z. Cordenonsi), tem como protagonista uma garota imigrante que ganha uma bolsa de estudos num dos colégios mais rígidos e caros da Suécia. Só que ao invés de ótimos professores que vão lhe garantir um futuro promissor, a protagonista encontra uma turma nada amigável, mais disposta a acabar com sua autoestima. Sua única amiga, Josefin, não estuda na mesma escola, mas vive enchendo a cabeça da garota com ideias de vingança.
Presa na própria timidez e na pressão que Josefin faz para que ela tome uma atitude e mande a escola – e todo o resto – para bem longe (aqui o “bem longe” pode ser substituído por um palavrão da preferência do leitor), Alena está com o cronômetro apitando: vai explodir. E Josefin, vale dizer, já não está mais entre nós. Sim, a melhor amiga da nossa heroína está morta, mas tem uma pontaria mais certeira que muita gente com sangue nas veias, ao ponto de causar um “acidente” grave com Fabian, a paixonite atual de Alena.
Sinopse boa, vamos à arte. Os traços de Andersson são belos e há uma preocupação importante com as cores, quase como se o autor desse uma de diretor de fotografia. Quando Josefin surge em cena, tons de azul escuro, roxo e até um verde levemente neon tomam conta dos quadros. Impossível não associar aos gialli de Dario Argento* e até mesmo alguns trabalhos do cineasta Mario Bava*. Também não faltam detalhes como saliva escorrendo e línguas que se encontram. Sim, há um pouco de erotismo em Alena, mas nada que impressione quem já passou dos 18 anos. Pode-se dizer até que quem já passou dos 20 ou tem uma experiência considerável com quadrinhos pode sair bem decepcionado após o término da última página da HQ.
*(Falando neles, confira os episódios do Formiga na Tela dedicados a Suspiria, Banho de Sangue e Seis Mulheres para o Assassino)
Caindo na vala comum
Alena tem um roteiro bem previsível para uma história de bullying com toques macabros. Tudo bem que estamos lidando com uma adolescente, mas Andersson poderia ter dado um pouco de inteligência para sua criação. Alena demonstra um sangue-frio que não combina com seus hormônios em ebulição. Filippa, a garota mais popular da escola, é uma cópia da personagem de Rachel McAdams no filme Meninas Malvadas, só que ostentando um bastão de lacrosse.
E os garotos…bom, se foram criados tendo como modelo os amigos do autor, melhor rever alguns conceitos. Alena sofre assédio, mas o que ela lamenta mesmo é ter a carta de amor que Josefin endereçou a ela lida diante de todos os seus colegas de escola. Ficção tem os seus limites e nestes quadros fica claro que Alena foi escrito por um homem. Mais: por um homem que se contenta com apenas uma ideia de mulher.
No fim das contas, a HQ de Kim W. Andersson pode ser uma boa referência para quem quer iniciar a estrada dos quadrinhos de horror. Pena suas boas referências visuais perderem espaço para o clichê machista. Lida com o senso crítico ligado, pode render boas discussões e, aos mais talentosos, um quadrinho resposta com altas doses de feminismo.