O Justiceiro já penou mais nas mãos dos escritores do que dos bandidos
Estávamos trocando uma ideia entre amigos devido à estreia de Justiceiro na Netflix, quando nosso querido colaborador Marinaldo levantou a bola: “vocês se lembram de quando o Justiceiro virou negro”?
De fato, para nossa imensa infelicidade, lembramos. Assim como também nos lembramos de quando ele virou um tipo de monstro de Frankenstein uns anos atrás, assim como também virou um “anjo vingador” uns anos antes. E foi aí que nos caiu a ficha: para um personagem pé-no-chão, brutal e violento, nós já demos muita risada – involuntariamente – com ele.
Acontece que, quando fui fazer minha pesquisa para escrever o artigo, descobri que o site Comics Alliance percebeu a mesma coisa um tempo atrás – incidentalmente, na época em que ele estava sendo apresentado como o tal monstro de Frankenstein (ou seja, isso realmente mexeu com todos nós).
Assim, decidimos relembrar um pouco dessa natureza camusianamente absurda que lhe cai como luva – de boxe, no meio da fuça. Nos quadrinhos, em versões de brinquedo ou videogames, confira algumas das versões mais toscas do Justiceiro.
Quando o Justiceiro virou o monstro de Frankenstein (Punisher #11-21, 2009)
Durante o arco Reinado Sombrio, alguns dos piores vilões da Marvel tomaram conta da liderança super-heróica do mundo, seguindo o vácuo de credibilidade dos heróis tradicionais após os eventos de Guerra Civil. Acontece que quem assumiu a liderança desses vilões que secretamente articulavam para tomar o poder era ninguém menos do que Norman Osborn.
Nada feliz com a situação – se é que ele já foi feliz com qualquer coisa – Frank Castle decide pôr um fim no comando de Osborn da maneira que ele acha mais conveniente: explodindo os miolos do vilão.
Entretanto, Osborn, velhaco na vilania e agora com recursos até as orelhas, decide acabar com a brincadeira, e envia Daken, o filho do Wolverine, para dar cabo de Castle. A treta é boa, a treta é longa, mas Castle não dá conta do fator de cura acelerado do mutante, e acaba fatiado como um amargo e sangrento prato de sashimi. Era o fim de Frank Castle.
Só que não, porque Morbius e a Múmia-Viva trazem o lunático de volta, costurando suas partes orgânicas e substituindo as que foram pro vinagre em definitivo por um armadura meio steampunk. O resultado, simplesmente magnífico, é FrankenCastle, o morto-vivo flagelo do crime. O autor da proeza, Rick Remender, provavelmente achou que era uma abordagem criativa e inusitada. De fato foi, mas note como não estamos fazendo aferições morais aqui.
É claro que ele volta ao normal – o que quer que isso signifique para ele – mas não antes de podermos vê-lo mandar bala com uma enorme metralhadora, na forma de um morto-vivo, em cima de um dragão. Por que? Quadrinhos, esse é o porquê.
Quando o Justiceiro virou um homem negro (The Punisher #60-62, 1992)
É, os anos noventa ainda eram, definitivamente, outra vida. Escrita por Mike Baron, esse arco do Justiceiro ficou bastante conhecido no começo da década retrasada por ser bem doutrinadora (a edição em que do Justiceiro vs o incediador de bandeira é particularmente autocrática). A sua despedida do título, então, é um outro nível de mau gosto.
É assim: Retalho fez um estrago daqueles na cara do Justiceiro no final do arco Final Days, então ele é obrigado a buscar ajuda de uma aposentada cirurgiã plástica que se tornou uma prostituta viciada – como qualquer um de nós faria nessa situação. Então ele acorda depois de entrar na faca… e ele é um cara negro. A desculpa tem a ver com a doutora doidona ter usado excesso de melanina pra consertar a pele dele. Por que? Adivinha.
Então o Justiceiro se une àquele que somente consegue destacar ainda mais o tamanho da cagada proto-racista do autor: Luke Cage, um negro de verdade. Não é maravilhoso? A missão deles? Lutar contra traficantes de drogas, que segundo Ronald Reagan e Bush pai no período, são a causa e fim de todas as desgraças do espírito puro da América.
E sim, não tenha dúvidas de que o Justiceiro foi parado pela polícia enquanto era negro. (É sério).
Quando Fred Hembeck fez o Justiceiro ir em um piquenique com o Capitão América, o Demolidor e Nick Fury (Marvel Age #101, 1991)
Ainda que o Justiceiro esteja claramente curtindo seu sorvete, é salutar observar que sua metralhadora está a apenas alguns centímetros dele, indicando que a porra pode ficar séria, muito, muito rápido.
Quando o Justiceiro conheceu Archie (“Archie Meets Punisher,” 1994)
O amigo leitor brasileiro pode não estar muito familiarizado com ele, mas Archie Andrews é um dos personagens de quadrinhos mais antigos ainda publicados atualmente na gringa. Suas histórias basicamente giram em torno da sua vida comum, de leves comédias, dramas e romances adolescentes, quase sempre retratados em tom bem caricato.
O que faz dele, claro, um sidekick perfeito para o Justiceiro. A edição de 94 Archie meets Punisher é uma daquelas comuns iniciativas entre empresas que buscam públicos parecidos, como os de romance adolescentes e genocídio de delinquentes.
O lendário desenhista John Buscema cuidou do sociopata uniformizado, enquanto o desenhista regular de Archie, Stan Golberg, representou a galerinha de Riverdale nas páginas. A motivação do encontro não poderia ser mais maravilhosa: o Justiceiro confunde Archie com um traficante de nome similar: Red (um erro justificável, dada a quantidade desses caras que ele já apagou).
Como era de se esperar, o erro é explicado, e o assassino de criminosos psicótico – obviamente – se une a essa galerinha irada para salvar o dia. Honestamente, porque não se fazem mais crossovers assim?
Quando o Justiceiro se torno um (literalmente) Anjo Vingador (“Punisher: Purgatory”, 1998)
O Justiceiro estava meio em baixa quando a linha Marvel Knights foi lançada em 98, o que permitiu a Tom Sniegoski e um autor egresso de Hellboy, Christopher Golden, traze-lo de volta dos mortos na forma de um “anjo da morte” meio-Constantine, meio-Espectro.
Mesmo a arte magnífica da lenda do horror Bernie Wrightson não pôde ajudar o Anjo Justiceiro e suas armas pontudas na missão de não parecer completamente tosco e datado. Essa encarnação ainda deu as caras em outra mini-série, desenhada por Pat Lee: Wolverine/Punisher: Revelation. Logo após esse purgatório (ahn, Purgatory, purgatório. Pegou?) Garth Ennis e Steve Dillon devolveram o personagem à toda sua glória psicótica e sanguinolenta em Bem-vindo de volta, Frank.
Quando o Aranha disse pra ele que tinham problemas no Shopping (“Punisher: Ultimate Payback”, para Game Boy, 1991)
Punisher The Arcade Game, de 1993, apresentava o Justiceiro e Nick Fury sentando a lenha em caras malvados no melhor estilo beat’-em-up de Double Dragon; e é provavelmente o melhor jogo do Justiceiro de todos os tempos – ninguém está pesando referências aqui.
Afinal, para isso, teríamos que levar em consideração jogos como Punisher: Ultimate Payback, para Game Boy. E seríamos obrigados a rir. Primeiro, porque é um jogo de tiro leve estilo Hogan’s Alley – só que sem as armas. Segundo, porque o Justiceiro basicamente recebe ordens do Homem-Aranha o jogo todo – que só aparece para resgatar os reféns depois que você já empilhou os corpos de todos os bandidos. Maldito talarico.
Quando o Justiceiro foi uma menina de mangá (Marvel Mangaverse: Punisher, 2002)
Para a versão de Peter David e Lea Hernandez para o Mangaverso Marvel, o Justiceiro foi transformado do habitual estripador de criminosos em um geixa que usa um chicote – e uma bizarra preferência por torturar chefes do crime japoneses com cosquinhas.
Sosumi Brown passa seus dias como diretora de uma escola para garotas, e suas noites espacando criminosos como a super-heroína mais pervertida (kinkiest é a palavra (sério)) de Tóquio. Se um quadrinho americano poderia ser mais entupido de clichês de mangás e animes, ainda não tivemos notícia.
Quando a maior coisa de todos os tempos aconteceu (“Action Figure News and Toy Review,” 1992)
Ah, vai dizer que você não se lembra daquele apoteótico momento em que o Justiceiro se uniu ao Robocop e ao Exterminador e explodiu a sua frágil mente com tamanha apoteose?
Bem talvez seja porque isso realmente nunca tenha acontecido. Foi apenas a capa de uma edição de 1992 de Mike Zeck para a Action Figure News and Toy Review, e – muito infelizmente – não uma edição da maior história em quadrinhos já concebida pela mente humana.
Nem os melhores supercomputadores da Terra iriam conseguir calcular tamanha contagem de corpos. Nem imaginar o quão incrível teria sido quando eles inevitavelmente se voltassem uns contra os outros.
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