Okami é uma preciosidade pouco conhecida das HQ´s nacionais
É aquela velha história: mesmo ciscando por aí com esmero para conseguir encontrar algumas pérolas perdidas das artes, às vezes a gente também precisa de um pouco de sorte. Ou então contar com um evento bilionário sobre quadrinhos cuja parte menos importante são os quadrinhos – sim, falamos da CCXP2018 – mas que, vá lá, pelo com esse esmero colabora. E foi assim que este colunista se deparou com Okami, da ilustradora brasileira Kawakeiko (Keiko Kawati).
A HQ, curtíssima, vale cada página. A autora desfila um background de referências bastantes distintas, mas que convergem de maneira harmônica e fluida para criar uma singela fábula para o deleite dos olhos. A base da artista é a estética mangá, mas precisamente o kawaii – “fofo”, “bonitinho” – declarando seu desejo imediato de dirigir a obra para um público mais infanto-juvenil, e é com tal espírito que a HQ deve ser lida.
A história é tão simples quanto poderia ser, adaptando a fábula do menino e o lobo, conforme narrada por Esopo, e posteriormente relida como o conto de Pedrinho e o Lobo para nós aqui. A única diferença é que, obedecendo a proposta estética oriental que se propôs, Kawakeiko faz uma inserção da figura mítica do Okami, uma espécie de lobo que existiu no Japão, substituindo o lobo ocidental. A inserção é de uma genialidade singela: se na fábula ocidental, é preciso contar com a predisposição à fantasia para assumir a figura do lobo na história, no caso do lobo japonês esse conceito já vem pronto.
Na Terra do Sol Nascente, o Okami (pronuncia-se “Ôkami”) é uma lenda local inspirada pelo lobo branco de Honshu, uma espécie endêmica que desapareceu no começo do século passado. Uma parte da sua extinção se deu pelo fato de que a espécie era considerada mística, de características auspiciosas, e parte do seu corpo, dizia-se, trazia proteção e boa sorte. Portanto, dentro do contexto da narrativa, o amálgama do lobo fantástico ocidental com o lobo místico oriental cai como uma luva.
Mas, por ser uma fábula conhecida em um formato de HQ curta, a leitura pode ser um tanto frugal, até rápida demais. Por isso, nesse momento, aconselhamos calma e atenção. Pois o verdadeiro deleita, o real motivo pelo qual essa HQ vale a pena sua atenção, é a arte. Kawakeiko claramente usa o escopo de uma fábula conhecida para imaginar, inovar e compor quadros de imensa qualidade artística, desfilando todo seu talento com aquarela e nanquim sobre a supracitada arte em mangá.
De encher os olhos
O interior, em branco-e-preto, transita entre belos painéis e inserções mais pesadas de nanquim. Mas como dito, a autora esbanja domínio da técnica, e não existe nenhum tipo de excesso aqui. Traços e linhas fluem quando tem que fluir, o nanquim toma conta quando tem que tomar, alternando-se em cenas abertas e na perspectiva particular da infante protagonista. Não obstante, há a arte de capa, já vista acima. Não há muito o que ser dito: é coisa para se emoldurar.
O próprio volume em si é uma pequena obra de arte. Segundo a autora, com quem tivemos a oportunidade de conversar na CCXP 2018, a confecção de Okami segue uma técnica de prensa japonesa que faz com que cada unidade tenha características particulares únicas. Em outras palavras: não existem dois Okami iguais. Se isso não faz um leitor se sentir especial, eu não sei o que faz.
É realmente uma pena que a HQ seja tão curta, pois o deleite que ela provoca não condiz com sua extensão. Só podemos esperar a próxima investida da autora no universo das HQs – e que tal investida seja mais longa. Afinal, não queremos que o fim chegue tão rápido quanto chegou para a menina da fábula…