Se você gosta daquele humor ácido, tragicômico e com toques de violência maquiavélica, Matadouro de Unicórnios é uma agradável e bem vinda surpresa.
Do brasileiro Juscelino Neco, autor de Parafusos Zumbis e Monstros do Espaço, Matadouro de Unicórnios conta a história de Gonçalo, um escritor em crise, que divide seu tempo entre a alta literatura e bicos, como ghost writer (termo usado para profissionais que escrevem em nome de outras pessoas) para pagar as contas. Tudo muda quando ele recebe a oferta de escrever um livro sobre a vida de Lourival, um serial killer que ficou nacionalmente conhecido como o Maníaco do Shopping. Entre idas e vindas, Gonçalo entra numa espiral de brutalidade, sangue e canibalismo.
A HQ se faz do estilo da comédia de erros sucessivos porque cada vez que o protagonista tenta arrumar algo que deu errado, acaba estragando mais e mais, com eventos ainda mais bizarros, como uma progressão geométrica tragicômica. Gonçalo é aquele típico personagem que possui uma habilidade mal aproveitada. Ele é um escritor de qualidade, mas que vive em um mundo que gosta de consumir as mesmas bobagens de sempre – aqui, Juscelino não precisou ter muita imaginação. Até seu editor reconhece com amargura essa infeliz verdade. Essa brincadeira que o autor faz, inserindo elementos da realidade, deixa a obra comicamente realista, pois conseguimos associar várias coisas de imediato, desde o sensacionalismo das manchetes dos jornais até a hipocrisia de alguns artistas.
O desenho é simples, eficaz e a diagramação é objetiva e respeita o roteiro que, esse sim, grita ao leitor com suas viradas propositalmente exageradas. Além disso, é de suma importância não sobrecarregar a narrativa com uma arte extremamente detalhada e/ou uma disposição de quadros fora do padrão, pois nos momentos mais gráficos de violência, o quadrinho perderia sua sofisticação e se tornaria carregado demais e imaturo. Sem almejar os holofotes, se preocupando apenas em ser uma rápida e descontraída história, Matadouro de Unicórnios mostra que algo despretensioso e divertido não precisa cair no besteirol ou na verborragia para ser bem sucedido.
Publicado este ano pela Editora Veneta, o quadrinho é um prato cheio de referências da cultura pop, desde literatura até o cinema – a própria capa já faz referência direta ao cartaz do filme Giallo, do diretor italiano Dario Argento. Fãs de literatura, filmes policiais e temática envolvendo serial killers vão encontrar inúmeras referências e influências. Só que não estou falando de fan services gratuitos, já que tudo tem um objetivo dentro da história, por mais absurdo – no bom sentido – que seja. Até a grossura do livro IT – A Coisa de Stephen King é utilizada de forma muito inventiva na trama. Aliás, inventiva é uma ótima palavra para descrever esta história. Juscelino consegue colocar de maneira orgânica coisas que soariam muito forçadas nas mãos de um autor menos habilidoso. O timing dos eventos e a objetividade do texto fazem da HQ uma leitura muito agradável e ágil, além de fazer o leitor voltar a página para se convencer de que tal fato realmente aconteceu.
Matadouro de Unicórnios possui personalidade e distinção. Com uma inventividade que salta aos olhos e um humor negro que faz qualquer conservador revirar os olhos, a obra de Juscelino Neco é uma ótima e inusitada história sobre um homem que adentra um caminho maquiavélico sem volta e sem perdão.
Gosta da temática de serial killers? Confira nossos vídeos sobre os filmes Seven e Zodíaco.