Finalzinho vagabundo…
Chato começar o texto com esse subtítulo, não é mesmo? Só que não encontrei forma melhor de descrever o nono e derradeiro capítulo de Cavaleiro das Trevas III – A Raça Superior. Se você já vinha acompanhando meus esforços em comentar número por número, percebeu que comecei com uma boa vontade que não foi recompensada ao longo dos meses. Claro que quaisquer esperanças de redenção já sumiram há muito tempo, mas esse final é tão apelativo em suas soluções que chega a ser uma coroação da atitude desprezível da editora. Aliás, dos autores também, talvez poupando Andy Kubert, mesmo que o livro 9 tenha, de longe, a arte mais chutada entre todos. Chegaremos a esse assunto…
Sem maldizer o indiscutível legado de Frank Miller, chega deste negócio de apoiar a obra apenas na grife do escritor. A grande indústria cambaleia por isso, entre outros fatores. Sobre a participação de Brian Azzarello nos roteiros, eu só gostaria de ter testemunhado o processo de trabalho entre eles, já que isso rendeu uma das histórias mais constrangedoras do Batman e da DC. Chega de enrolação e vamos direto ao ponto, lembrando – por via das dúvidas – que spoiler rola solto!
Livro 1 Livro 2 Livro 3 Livro 4 Livro 5 Livro 6 Livro 7 Livro 8
Deus Ex Machina é pouco!
Bem, amigos,a solução encontrada para trazer Bruce Wayne de volta ao jogo já indicava que os roteiristas não estavam muito a fim de pensar. O rejuvenescimento do Batman pelo Poço de Lázaro ainda deixa o personagem prontinho para Cavaleiro das Trevas IV, V, VI e por aí vai. Mas estou colocando o carro na frente dos bois, portanto, vamos à ordem dos acontecimentos.
Com muitos kryptonianos ainda ameaçando o mundo, a urgência é acabar com Quar e seus seguidores. Até aí tudo bem, porém, ninguém esperaria que seres semi-divinos encontrariam tantos problemas para se livrar de… morcegos comuns! Sim, Batman usa aquele sinal que atrai morcegos para atacá-los. O grupo se desespera e eles começam a usar a visão de calor por todo lado, matando vários companheiros no processo. Interessante descobrirmos só agora que um disparo de visão de calor de um kryptoniano mata outro tão fácil.
Existe uma ideia interessante. Subvertendo aquela visão que alguns fãs adoram, colocando o Superman como escoteiro bundão, o personagem se solta e surpreende pela selvageria com a qual ataca seus conterrâneos. No fim das contas, descobrimos que ele sempre se conteve, o o que deve ter sido um golpe e tanto no ego dessa versão do homem-morcego. É bom lembrar que, além do ataque da morcegada, Batman não fez muito neste capítulo final, mas a falta de equilíbrio entre os papeis de cada um já não era novidade.
A boa sacada termina aí, já que, em outra virada espetacularmente forçada, alguns sobreviventes do culto de Quar se voltam contra ele. Claro que também são mortos rapidamente (visão de calor de novo…), então raciocine comigo: tínhamos milhares de kryptonianos raivosos para os heróis deterem, o que é um mega problema. A solução cabaço dos roteiristas é fazer com que eles se matem entre si de qualquer jeito, reduzindo MUITO a ameaça. Aliás, é bem conveniente que os alienígenas tenham a capacidade de se transformarem em bombas (!), tentando vencer no final se detonando. Aí chega a última e decisiva cartada do bem, com o Dr. Ray Palmer de volta, miniaturizando quatro deles e neutralizando o perigo. Que ironia habitantes de Kandor terminando assim (Só uma história tão ruim quanto essa permitiria um comentário irônico sobre ironia…).
Sobrou Quar e Lara precisava fazer algo nesse final. O golpe de misericórdia é dela, no último minuto. É preciso admitir que as páginas em que a moça toma essa atitude são bacanas mesmo, exclusivamente do ponto de vista narrativo. Pena que isso é muito pouco nesta altura do campeonato. A subtrama envolvendo a Mulher-Maravilha e o bebê Jonathan não teve o peso que os autores pretendiam, pois a amazona dá as caras no final só para bater cartão, assim como Lanterna Verde e Flash.
Batman novinho, Carrie se torna Batwoman com uma roupa mais sombria (que bom, já que ninguém engolia uma vigilante sombria vestida de verde e roxo) e a vida segue. Que gancho mais descarado para várias continuações. A indignação só aumenta com o reduzido número de páginas, inflado pela estratégia de incluir artes sem cor e letreiramento no final.
Andy Kubert, não faça isso!
No número anterior, eu já havia observado que a arte de Andy Kubert, uma das poucas coisas boas de Cavaleiro das Trevas III, já não tinha o mesmo capricho. Pois o Livro 9 é o apogeu do “vai assim mesmo”. Vários rostos ficaram distorcidos, proporções não foram respeitadas e falhas de anatomia gritantes. Qualquer um sabe que Kubert é bem melhor do que isso, mas a única explicação aceitável para isso é o prazo. Foram atrasos em cima de atrasos, conforme acompanhamos ao longo do último ano.
É triste, mas a correria é pouco disfarçada pelo bom acabamento que costumamos encontrar nas HQ’s da grande indústria. Continuo achando que Klaus Janson não é o melhor arte-finalista para ele, o que prejudicou o conjunto de uma forma geral. Sobra a boa colorização de Brad Anderson, algo que sempre passa um pano no visual geral. Na verdade, exceto pela jogada narrativa que já citei, a diagramação geral também deixou de valer o comentário.
A mini revista e mais um gancho para continuação(ões)
De novo, Frank Miller na arte da mini revista. É preciso dizer mais? Arte e narrativa ruins de doer, só para mostrar que os heróis continuarão suas atividades e Lara aprenderá como viver neste mundo. Tão piegas que até se permitiram um pôr-do-sol em meio a uma mensagem de esperança.
Quem acompanhou Cavaleiro das Trevas III – A Raça Superior pôde conferir quase tudo que há de errado na grande indústria de quadrinhos norte-americana de hoje em dia. Um culto imbecil a uma celebridade decrépita como Frank Miller garante algumas vendas, mas essas HQ’s não salvam esse mercado da retração. Sequer conseguem algum prestígio de uma crítica séria. A fórmula das continuações tardias, um mal do qual Hollywood também padece, não forma novos leitores, evidentemente. Nosso objeto de discussão também levou a expressão “viver de passado” a outro nível, já que as inúmeras capas alternativas destes nove capítulos prestavam tributo ao Cavaleiro das Trevas original.
No meio de mega sagas e reformulações editoriais, Cavaleiro das Trevas III – A Raça Superior é mais um sinal de que ninguém sabe mais o que fazer com esse catálogo de personagens, algo que não se aplica apenas à DC. Não seremos nós a dizer o que deve ser feito ou qual é a fórmula mágica. Só gostaríamos de ler boas histórias, se isso ainda for possível com esses personagens.