Bruce Wayne lida com a morte de seu filho em novo encadernado
Alguém deveria ter uma conversa muito séria com Bruce Wayne. Esse negócio de aliciar jovens imberbes para trabalhar como seus assistentes particulares não está dando muito certo. A algum tempo. Digo, não seria o bastante faze-los limpar o próprio quarto, ou escovar os dentes antes de ir para a escola? Porque esse padrão de tentar ensiná-los a socar malfeitores por aí está dando terrivelmente errado – não apenas porque eles obviamente estão sendo negligentes em relação aos seus deveres escolares (e eu, como ex-professor, me preocupo), como eles estão morrendo um pouco demais.
Na trama, como dissemos, Robin morreu. Mas é óbvio que, a essa altura do campeonato, o amigo leitor precisa de alguns esclarecimentos: primeiro – de novo?; Segundo – qual deles dessa vez? Respondendo: sim, e Damian Wayne, o próprio filho do Morcegão. O volume lida com o aftermatch da morte de seu único rebento – e, para fins de evitar spoilers, se amigo leitor quiser, pode ler o primeiro volume tranquilo, porque não vamos mencionar nada demais aqui. Até porque, o arco não necessita diretamente dos eventos anteriores, se concentrando mais na figura de Bruce Wayne, e em como ele lida com esse acontecimento.
E também não dá para ligar muito para spoilers, porque a maneira como ele lida com a morte de Damian é basicamente a maneira como Bruce Wayne lida com tudo: entrando numa espiral depressiva, usando seus bilhões e sua fantasia de morcego para sair chutando bundas por aí – até as santas almas que aguentam essa chatice dele tentarem se aproximar, e, apesar do azedume do indivíduo, o ajudarem a superar a situação. Muito provavelmente, apenas para repetir esse padrão novamente – arranjar outro Robin, ter várias aventuras bacanas, esperar o infeliz morrer – porque ele é uma maldita criança – sofrer, superar e recomeçar o processo. Afinal de contas, quem precisa de terapia e ritalina quando se tem um avião em forma de morcego?
Tomasi e Gleason perdem a mão
Réquiem tem uma queda de produção da dupla Tomasi e Gleason (roteiro e desenhos, respectivamente) brutal em relação ao primeiro volume do arco do Cavaleiro das Trevas em Novos 52 – Nascido para Matar. Enquanto esse apresentava uma perspectiva interessante nessa relação entre pai e filho/vigilantes, com uma visão inovadora do Batman em relação a um sidekick, Réquiem retorna a um tema já amplamente explorado, e não muito querido dos leitores – visto que um dos Robins mortos, Jason Todd, foi assassinado pelos leitores, em uma pesquisa feita pela DC, no clássico arco Morte em Família, do lendário Jim Starlin.
E não é que ele seja mal escrito, ou mal desenhado. Na verdade, existe até um envolvimento do leitor com o evento, pois Tomasi é um escritor habilidoso, e de fato, a perspectiva da perda imposta por ele ao nosso protagonista é, em muitos momentos, tocante. E os desenhos de Gleason, bastante competentes – principalmente Damian, a quem ele consegue dar um aspecto concomitantemente infantil e ingênuo, mas também carrancudo e, às vezes, brutal – complementam bem a narrativa de tom mais pesado e intimista.
Na verdade, o personagem é o grande diferencial dessa fase. Damian talvez seja o Robin mais interessante – mais até do que Dick Grayson, mesmo sendo um recurso rasteiro e besta, do tipo “filho secreto do protagonista”. A dinâmica entre ele e seu pai é muito interessante, principalmente no que toca às idiossincrasias – Damian é brutalmente violento, mas ele sabe que essa violência é errada. E nós estávamos em uma progressão cativante, vendo o personagem, ao mesmo tempo, se espelhando em diversas características de seu pai, ao mesmo tempo que o confrontava sobre inúmeras coisas. Tomasi havia conseguido criar um microverso onde questões clássicas da relação pai e filho eram discutidas dentro de fantasias, enquanto socavam bandidos.
Mais do mesmo
Mas esse efeito inesperado só funciona de verdade se você está pegando Batman para ler pela primeira vez – e Réquiem só confirma o óbvio. Porque, para leitores mais calejados, o efeito “mas de novo?” é muito forte. Forte ao ponto de ser difícil chegar ao fim da HQ, sem fazer troça como este resenhista fez nos primeiros parágrafos. Ainda bem para o Batman que as identidades sua e de sua “Batfamília” (argh…) são secretas. Porque se a assistência social de Gotham fizesse ideia do que se passa naquela caverna, nem toda a grana do mundo salvaria Wayne da montanha de processos por aliciar crianças e deixa-las se arrebentar, até eventualmente morrer – com uma frequência alarmante.
Tomasi decidiu, assim, por outro recurso rasteiro – matar um personagem interessante apenas para chocar e criar um drama artificial. Porque não é como se isso fosse ter grandes consequências a longo prazo para o personagem Batman, e Damian tinha muito mais potencial – por todas as circunstâncias que o envolviam – que praticamente todo o resto da “Batfamília” (argh…) nesse ponto das histórias. Réquiem acaba sendo só mais uma chance de reafirmar o óbvio sobre um personagem já vastamente explorado. Mas afinal, quem se importa? Algum “jênio” dentro dos corredores da DC já está pensando uns dez reboots a frente de nós, e nós podemos esperar esse padrão de “pior pedagogo de todos os tempos” do Batman se repetindo bastante ainda.
No final das contas, é mais um – mais um – volume dispensável de Novos 52. Não porque seja malfeito de alguma forma – mas porque é somente mais do mesmo, e, pelo carinho demonstrado pelos leitores a Jason Todd anteriormente, todos já estão bastante fartos disso. E não é como se, de lá para cá, o personagem não tivesse tido arcos interessantíssimos. Teve. No fundo, uma boa equipe criativa deveria saber o caminho das pedras.
Mas, por algum motivo doentio, preferem ficar arremessando criancinhas cosplayers de cabeça nela. Quem trabalha com o Batman, dentro ou fora dos quadrinhos, deve precisar de um bom psicólogo.