Um dia é da caça, o outro é do caçador. A máxima reflete bem o assunto que vamos abordar agora. Não é novidade que grande parte das tramas retratadas nas HQ’s se resumem a embates entre seus personagens, seja o tradicional herói protagonista contra seu estimado arqui-inimigo ou mesmo herói contra herói. Neste caso, pode ser em um primeiro encontro não muito amigável, resultando em uma aliança entre ambos, ou fruto de propósitos diametralmente opostos. No caso dos vilões, estes se digladiam por um objetivo em comum ou algum arranjo fracassado.
E os anti-heróis… Bem, estes costumam selar uma aliança com os heróis em prol de um objetivo supostamente comum, mas acabam não se entendendo e seguindo caminhos opostos ao final da trama. O fato é que esses encontros nem sempre se dão na forma de embates, mas simplesmente um personagem tira a maior onda com a cara do outro. A seguir, algumas das melhores picuinhas entre nossos velhos conhecidos:
O Mimimi de Mephisto (Surfista Prateado- O Juízo Final, 1991 – Editora Abril / Graphic Marvel 09)
Atrás de conseguir a alma mais pura do universo (a do Surfista Prateado, claro), Mephisto resolve usar a personagem Nova (que na época ocupava o cargo de arauto de Galactus) como moeda de troca. É que a dita cuja era apaixonada pelo Surfista e Mephisto a seduz com uma promessa do tipo “Trago a pessoa amada em três anos-luz”. Pessoinha peçonhenta como é, Mephisto aprisiona Nova em seu reino e o Surfista desce ao inferno em seu auxílio.
Como condição para libertá-la, o vilão reclama o próprio Surfista… de corpo e alma. Como é todo valores nobres, nosso herói cromado aceita ficar preso por toda a eternidade, cabendo ao seu antigo mestre, Galactus, resgatá-lo, após os apelos da bela moça esvoaçante.Não se sabe ao certo o que se passou pela cabeça do personagem, que não pode ser caracterizado como vilão ou herói, devido à sua ausência completa de emoções, mas o fato é que o Devorador de Mundos muda o curso de sua nave, vai parar na dimensão de Mephisto e começa deliberadamente a devorar o Inferno!
Após uma breve discussão – que causa a destruição de galáxias inteiras – Mephisto aceita liberar o Surfista já que, embora possa fazer frente à Galactus, ele e seu reino são uma coisa só e caso um morra, o outro também perecerá. Este drama foi comandado por ninguém menos que Stan Lee, acompanhado de John Buscema.
O Desarranjo de Galactus (Darseid vs Galactus – O Devorador, 1997 – Editora Abril / Edição especial)
A trama se passa quando o Surfista Prateado ainda era um arauto de Galactus e o filosófico personagem encontra nada menos que Apokolips para ser o banquete da entidade galática. Talvez por isso o personagem tenha aparecido de bermuda. Cortesia de John Byrne, responsável por roteiro e arte, inspirado pela pergunta de um leitor gaiato durante uma convenção.
Depois de muito quebra entre o Surfista, os parademônios de Darkseid e a galera de Nova Gênese, Galactus consegue finalmente aterrar sua máquina processadora de planetas para desfrutar de sua refeição, que consiste sempre em drenar a energia vital que dá vida à toda esfera celeste, mas descobre, para sua frustração, que Apokolips NÃO possui força vital.
Após uma rápida explicação de Darkseid, o déspota intergalático enxota Galactus (a quem se refere com cortesia como Deus das Estrelas) naquele típico momento ”olha bem na minha cara”. Em um raro momento de humildade, o imperador de Apokolips diz que, embora ambos se vangloriem como mestres, não são mais que escravos de suas próprias funções e desfere o argumento final: “Deixe o meu mundo, Deus das Estrelas. Não há nada aqui pra você.”
Galactus se retira com o rabo entre as pernas e o Surfista à tiracolo. Mal sabe ele que se livrou de uma baita diarreia!
Por que matar, se pode sacanear? (Lobo & Deadman – O Canalha e o Careca, 1999 – Editora Tudo em Quadrinhos / Edição especial)
Lobo vai para a Califórnia, onde o fantasmagórico Deadman , que – sabe-se lá o motivo – teve seu nome oficial em português (Desafiador) ignorado, está curtindo a vida numa boa, após ter possuído o corpo de um surfista e descolado três gatas na praia…
A verdade é que o caçador de recompensas espacial está atrás de Deadman para capturá-lo e sabe onde o fantasma se esconde, graças a um detector de fantasmas. Deadman possui Lobo com muita dificuldade e descobre que ele também não sabe quem o contratou, mas uma Caixa Materna, artefato conhecido dos leitores da DC e que dá algumas pistas sobre o responsável, está programada para levar o caçador de recompensas de volta à origem do pedido.
Ambos vão parar em Apokolips (parecido com o inferno de Mephisto, nesta história) e descobrem que Darkseid está por trás de tudo. Seu assecla aqui não é o tradicional puxa-saco Desaad, mas um tal Doutor Kroolman, que tenciona enviar a alma de ambos para o céu através de uma arma psiônica. A partir do momento em que descobrir o caminho para o Paraíso, será fácil invadi-lo, matando as hordas dos melhores guerreiros de Apokolips para que entrem lá como espíritos. Caso falhe na missão, Darkseid exige que se mate.
Para isso, Lobo deve cumprir sua parte no trato e cometer suicídio. Como nunca quebra sua palavra, o Maioral aceita se matar após uma lauta refeição. Mas Deadman consegue escapar, possuir a espaçomoto de Lobo que, após ressuscitar, desce a porrada em geral. Ambos fogem, mas dão de cara numa parede – e com Darkseid. Doutor Kroolman é obrigado a se matar por ter falhado na missão e Lobo deixa um presentinho para o déspota: a Caixa Materna programada para saltar 43 vezes pelo espaço. Pelas palavras do próprio maioral, “até o inferno!”
Essa trama violentamente cômica veio ao mundo graças ao britânico Alan Grant e o neozelandês Martin Emond!
Máskara, mostra a tua cara! (Lobo & Máskara, 1998 – Editora Metal Pesado / Minissérie em duas partes)
Lobo é contratado para caçar um famigerado assassino que saqueou uma dúzia de mundos, massacrou governos inteiros e destruiu várias frotas estelares. O que ele não sabe é que não se trata de uma pessoa em si, mas de um objeto deveras belicoso. Pensando bem, o hermetismo da última frase poderia me render uma evisceração pelas mãos do próprio Maioral…
O mercenário vem à Terra e algum desavisado já se apossou, ou melhor, foi possuído pela máscara. Muita porrada e esculhambação mais tarde, Lobo acaba por descobrir que não está enfrentando um adversário, mas o objeto que está em sua face, algo que pode ser bastante útil, já que o deixaria ainda mais indestrutível, se é que isso é possível. Depois de muito se divertir de sua forma peculiar, Lobo percebe que não está usando a máscara, mas sendo usado por ela. Perambulando após se livrar do simbionte carnavalesco, acaba esbarrando consigo mesmo e se toca de que foi contratado para caçar a si mesmo, devido aos estragos que causou enquanto estava dominado.
Explicando, ao ter passado por um buraco negro, Lobo voltou no tempo e foi contratado para caçar ele mesmo quando havia feito aquilo no futuro. Lobo prende ao seu alter-ego espaço-temporal, pintando a cara dele de verde para que fique igual ao Máskara e reclama sua recompensa.
Paradoxos à parte, difícil saber quem tirou onda com quem, Lobo ou Máskara, e ainda tem o o fato do próprio Maioral ter ferrado consigo mesmo! As idas e vindas deste encontro foram orgulhosamente orquestradas por John Arcudi e Alan Grant (claro), contando com os contornos alienígenas de Doug Mahnke e Keith Williams.
Quem é o Maioral? (Hitman / Lobo – Esse Estúpido Putardo, 2001 – Editora Brainstore – Anti-Heróis no Universo DC 01)
Lobo vai beber umas no boteco que é a segunda casa do assassino profissional Tommy Monaghan – o Hitman – e, como todo bom valentão, começa a zoar com todo mundo. De saco cheio, Hitman resolve dar uma lição no cara que se diz o Maioral. Com o poder de ler mentes, não é difícil sacar o nível de periculosidade do alvo e saber que ele é capaz de se regenerar a partir de um único pentelho.
Hitman despeja uma garrafa inteira de whisky em si mesmo e dá um tiro em cada olho de Lobo, deixando-o cego, mas capaz de persegui-lo pelo faro. Lobo corre atrás de Hitman pelo gibi inteiro, é usado como arma e escudo contra seus inimigos e, após ser desmaiado com um guindaste de demolição, tem um cachorro morto soldado em sua bunda, é trajado de noivo e filmado casando-se com o barman vestido de noiva.
Quando acorda, Lobo vai ao bar tirar satisfação. Hitman lhe mostra a fita gravada e ameaça difamá-lo caso reaja. Lobo sai do bar furibundo já que passou por sua primeira derrota moral, ainda correndo o risco de perder a fama de fodão. Tudo isso escrito pelo quase sempre demente Garth Ennis e, novamente, ilustrado por Doug Mahnke.
Você se acha o melhor no que faz? O que eu faço também não é legal! (À Caça de Wolverine / Pequenos Assassinos, 2003 – Editora Panini / Justiceiro & Elektra nº4 e 5)
Com seu humor negro tarantinesco, Garth Ennis (ele de novo) nos apresenta, com arte de Darrick Robertson, uma quadrilha de anões que decepa as pernas daqueles que consideram seus inimigos. Durante uma tradicional briga de bar com Wolverine, eles arrastam uma de suas vítimas a um alçapão situado atrás do balcão e o carcaju decide seguir o rastro de sangue. Justiceiro também está atrás da quadrilha e ambos se trombam num encontro que é confusão na certa.
Como Wolverine também é capaz de se regenerar a partir de um único pentelho, dependendo do roteirista, Garth Ennis resolve brincar com o conceito do personagem e faz do Justiceiro seu avatar na hora de tirar onda com o baixinho mais invocado das HQs. Justiceiro dá um tiro na cara de Logan, deixando a face de seu crânio de adamantium exposta durante todo o gibi, no melhor estilo Exterminador do Futuro. Muita violência depois, outro disparo é desferindo nos testículos do canadense e, ao final da história, Justiceiro passa em cima de Wolverine com um rolo compressor. “E ainda dizem que não tenho senso de humor” destila o personagem no final da briga.
O Resmungo do Justiceiro (Justiceiro / Batman – Cavaleiros Mortíferos, 1996 – Editora Abril / Edição especial)
Retalho, fiel inimigo do Justiceiro, vai para Gotham City se aliar ao Coringa, na esperança de conseguir recursos para financiar uma cirurgia plástica para restaurar seu rosto de garanhão, deformado depois de um encontro pouco amigável com Frank Castle.
Justiceiro vai atrás de Retalho e se depara com Batman, aí temos um anti-herói algoz encontrando alguém que, se não chega a isso, é tão durão quanto ele.Por isso, acabam se tornando mais antagonistas do que aliados. Após estragar a cara nova de Retalho (que acabara de sair de uma cirurgia bem sucedida) com uma granada, Justiceiro está prestes a matar o Coringa com um tiro na cara.
Batman não só intervém como tira onda com a cara do sanguinário algoz: imobiliza Justiceiro, prestes a dar o derradeiro tiro que mandará o palhaço desta para melhor, se coloca entre ambos e recomenda a seu arqui-inimigo que fuja. Possuído de raiva, Frank Castle desfere um soco e Batman gentilmente recebe o sopapo na cara; e ainda tem a pachorra de acalentar o vingador dizendo algo como: “Eu permiti que me desse um soco porque provavelmente você achava que eu merecia”. A raiva de Castle é tão grande que manda mais um, devidamente defendido pelo Morcego enquanto retruca: “Eu disse um!”
Derrubando o agressor logo em seguida, Batman manda o Justiceiro voltar para Nova York sob a ameaça de jogá-lo na prisão Blackgate, ou mesmo no Arkham, que talvez, segundo o Morcego, seja até mais adequado. Frank Caste termina a história resmungando: “Odeio Gotham!”. Chuck Dixon é o responsável por esse crossover entre Marvel e DC, com arte de John Romita Jr.
A cicatriz de Spawn (Spawn / Batman, 1997 – Editora Abril / Edição especial)
Trama a toque de caixa para unir o “capa-malvada” das antigas com o novo. Nada melhor que um crossover entre o maior sucesso da Image com o sempre popular Batman. Todd McFarlane estava louco para colocar sua cria, Spawn, ao lado das lendas, para dar aquele ar de familiaridade com um personagem desconhecido, que carecia de carisma, criatividade e consistência em sua criação. Estava tão animado que até desenhou a edição.
Frank Miller assina o roteiro e faz Batman esculachar o metido a cavaleiro das trevas do beco no melhor estilo “anti-herói aqui sou eu, rapá!”. No início da HQ, o Morcego já exclama que o bom de saber que vai bater em um assassino é que não precisa economizar na força. No final da aventura, diz ao outro que este não tem o mínimo respeito pela vida humana.
Ao dar as costas ao aspirante a Anti-Herói Algoz (ver O Vilão Heróico), que continua argumentando, lhe dá um “cala a boca” arremessando um batarangue tão rápido que fica cravado no rosto de Spawn. McFarlane parece ter gostado tanto da “homenagem” que o personagem passou a exibir uma cicatriz remendada nas edições seguintes.
Muita saúde faz mal (Monstro do Pântano Especial 01, 1999 – Editora Tudo em Quadrinhos)
Um estranho fungo paira por Gotham City. Aqueles que o respiram – não todos – padecem de uma estranha doença que os faz escalar prédios de forma incessante e obsessiva até chegarem ao topo e desfalecerem, espalhando esporos pela cidade.
Batman vai investigar e acaba metendo o nariz onde não devia – literalmente! Padecendo da doença, Batman vai à procura do único que poderia salvá-lo: o Monstro do Pântano.
A criatura vegetal limpa os pulmões de Batman, avisando-o de que sua excelente saúde foi a causadora da infecção. Como a maioria das pessoas se expõe a um estilo de vida menos saudável, está menos propensa a adquirir a doença. O roteirista Steve Bissette, figura carimbada no título do Monstro do Pântano durante a década de 1980, mais o desenhista Pat Broderick, mandaram esse recadinho politicamente incorreto e destinado aos estetas da vida saudável e sem vícios. Cortesia da Vertigo! Relaxa, Batman!