Psicomagia e tarô, violência e sexo. Os quadrinhos de Jodorowsky, como seu criador, não tem limites
Nos dias de hoje, uma visita ao cinema não estaria completa sem alguém tropeçar em uma capa ou uniforme colorido. De super-heróis como Batman ou os Vingadores, passando por exemplos menos óbvios como Oldboy ou Scott Pilgrim contra o Mundo, filmes baseados em quadrinhos parecem estar tomando as salas de projeção em progressão geométrica.
Conforme atores e diretores de primeira linha continuam a abraçar um meio tradicionalmente desprezado por críticos renomados, essa moda particular do cinema – como outras antes dela, como o faroeste – está dando origem a outro fenômeno, esse, mais sutil: criadores dos altos círculos da TV e dos filmes agora estão se aventurando no mundo dos quadrinhos.
Um dos reis dos talk shows da Inglaterra, Jonathan Ross, é uma das mais recentes adições a uma lista que já incluía velhos nomes conhecidos dos nerds, como Kevin Smith e Joss Whedon – todos dispostos a trabalhar por muito menos dinheiro, para poder realizar seus sonhos de infância com a nona arte.
Entretanto, na Europa em particular, esse movimento de migração entre as mídias não tem nada de novo. Por décadas agora, um dos maiores nomes dos quadrinhos europeus é um artista chileno, cujo refugo dos anos setenta e oitenta também calha de ser uma das mais notórias produções cinematográficas que existem – ainda que haja controvérsias.
Curiosamente, este, que é talvez o maior viajante de dois mundos, raramente ganha a mesma atenção pelo seu trabalho na nona arte que ganha no seu trabalho com a sétima – a despeito do fato de que agora, após quase trinta anos, a maior parte de seus esforços estarem depositados nos quadrinhos. Nós estamos falando do “psicomago” chileno, Alejandro Jodorowsky.
Nascido em 1929 em Tocopilla, Chile, Jodorowsky já deixou sua marca nesse mundo como cineasta, mímico, poeta, escritor, artista e místico. Os fãs do seu trabalho devem estar desfrutando imensamente a recente fase desse artista: dois filmes aclamados, A Dança da Realidade e Poesia sem Fim, além do documentário sobre o fracassado projeto Duna – que, curiosamente, foi bastante premiado. Além disso, o autor deu continuidade a alguns trabalhos nos quadrinhos, como Metabarons Genesis: Castaka, um prelúdio para sua famosa série Os Metabarões.
Entretanto, enquanto suas contrapartes escritoras de quadrinhos de Hollywood parecem satisfeitas em rejuvenescer o gênero dos super-heróis – que agoniza brutalmente na sua mídia de origem – Jodorowsky está dedicado a criar todo um universo próprio de histórias, conceitos e personagens interconectados, com todas as características que lhe são únicas e próprias.
Uma trajetória a frente do seu tempo
Como dissemos, a maior parte de seus esforços está, entretanto, nos quadrinhos; em algo que, pelo puro humor, seus fãs chamam de “Jodoverso”, ele criou marcos da arte como o supracitado Os Metabarões, O Incal, Megalex e The Technopriests. Jodorowsky dedicou sua vida à expressão artística em uma variedade de mídias, mas é nos quadrinhos que o seu gênio realmente se manifesta na sua totalidade – conforme outra lenda das HQ’s, Warren Ellis, afirma: “um universo absolutamente belo e totalmente insano”.
O que só ressalta uma curiosa injustiça. Dizemos curiosa, pois essa injustiça é quase que, na sua totalidade, culpa do próprio autor. Quando se discute os quadrinhos de Jodorowsky, não se encontra o mesmo tipo de polêmica, controvérsia ou choque que suas obras bizarras e surreais no cinema encontraram. Seu primeiro longa-metragem, Fando e Lis, causou revolta na sua estreia no México, e foi subsequentemente banido do país; algo que não aconteceu com seus álbuns em quadrinhos de teor mais pesado, como o pornográfico Garras de Anjo.
De fato, a obra-prima do faroeste alquímico El Topo lhe rendeu o título de “father of midnight movie”, e tanto este quanto o filme que o seguiu, A Montanha Sagrada, lhe garantiram o status de um dos artistas cult mais referenciados do mundo. O fato de tais filmes ficarem indisponíveis por décadas só aumentou ainda mais sua condição de “obras estranhas” e “desafiadoras” para a condição de “lenda”. Afinal, qualquer um por trás de obras como essas, entre outras como Santa Sangre – que fazem mesmo os mais excêntricos filmes de Werner Herzog parecerem um episódio de Vila Sésamo – só poderia ser uma lenda urbana bizarra.
Esses filmes contêm muitas das obsessões temáticas que seriam os fundamentos do resto do “Jodoverso”. A busca espiritual – um tema que domina todos os três filmes – seria mais profundamente explorada na sua obra seminal dos quadrinhos, O Incal. Em El Topo, por exemplo, o herói precisa provar a si mesmo matando quatro mestres pistoleiros, enquanto em O Incal, o protagonista precisa confrontar os seus quatro elementos espirituais conflitantes; em ambas as ocasiões, esses quartetos hostis representam obstáculos para a evolução do ser humano.
Ainda, em Santa Sangre, no qual nós vemos o cruel pai do jovem protagonista forçando-o a fazer a tatuagem de uma fênix em seu peito, temos uma relação direta com outra de suas obras em quadrinhos, Os Metabarões, em que cada nova geração passa por uma “mutilação de iniciação”, herdando a insígnia da família – uma marca de nascença na forma de um pássaro reluzente.
Antes do Incal, Jodorowsky já havia se aventurado nos quadrinhos. Sua primeira investida na arte sequencial foi ainda no México, com sua tentativa de delimitar o ethos do panic movement – que ele ajudou a fundar. Ele escreveu o subversivo Anibal 5 para o artista Manuel Moro, e ilustrou uma tira de jornal surrealista chamada Fabulas Panicas, que pode ser genuinamente descrita como décadas à frente do seu tempo. Com figuras simples, narrativas cíclicas e designs psicodélicos, Fabulas Panicas seria facilmente algo saído do boom criativo dos quadrinhos nos anos 80, e não tanto algo criado no México dos anos 60. (Você pode ver algumas em nesse link).
E foi nos anos 70 que ele entrou no mercado francês de quadrinhos em sua primeira colaboração com Moebius, Les Yeux du Chat (“Os Olhos do Gato”). Foi amor à primeira vista. Os Olhos do Gato é uma bela e assombrosa obra, digna de nota – mas que foi eclipsada pelo que viria a seguir. Os gênios de Jodorowsky e Moebius haviam claramente sido feitos um para o outro.
Seu próximo projeto com o artista foi na clássica antologia Metal Hurlant; John Difool depositou as fundações nas quais a maior parte do universo de Jodorowsky se passa, e se tornou uma espécie de modelo para o tipo de quadrinhos pelos quais eles se tornariam conhecidos. Jodorowsky posteriomente ainda viria a colaborar com outros grande artistas europeus, como Milo Manara em Bórgia.
Fato é que, na raiz de todos esses temas e símbolos está a ideia de transformação. Como o próprio Jodorowsky disse certa vez: “Todos os meus filmes e todos os meus quadrinhos são o início de uma mudança em todos os níveis”. Embora isso ajude a ilustrar a unidade da obra de Jodorowsky, no entanto, não explica como o “Jodoverso” dos quadrinhos veio a existir em primeiro lugar. Para isso, nós precisamos nos voltar a um dos mais influentes filmes de ficção científica – jamais realizado.
A lenda de Duna
Duna de Jodorowsky é um daqueles lendários filmes que nunca viram a luz do dia – como o Dom Quixote de Orson Welles ou mesmo Watchmen de Terry Gilliam – sobre os quais os cinéfilos irão especular em tons reverenciais e solenes por gerações inteiras. Baseado na clássica obra de ficção científica de Frank Herbert, a pré-produção começou em 1974, com um projeto de escopo, escala e ambição de cair o queixo. O Pink Floyd, no auge de sua criatividade, concordou em criar uma trilha sonora, enquanto um bizarro elenco foi reunido, incluindo Mick Jagger, Salvador Dalí, Gloria Swanson e o supracitado Welles.
Jodorowsky também reuniu para si um séquito de artistas sem precedentes para ajudá-lo a trazer a história à vida: um jovem Dan O’Bannon foi contratado como supervisor de efeitos especiais, enquanto o artista suíço H.R. Giger e, claro, Moebius, criariam os designs para os personagens, cenários e storyboards do filme.
De acordo com o próprio Jodorowsky, ele e Moebius formaram um laço inquebrável enquanto trabalhavam no filme:
“Nós trabalhávamos oito horas por dia naquele filme, por meses e meses. Nós estávamos em total consonância um com o outro. Moebius desenhava tão rápido que era inacreditável. A caneta dele quase que miraculosamente criou todas as viagens, decupagens e zooms que eu queria. Através dos mais de três mil desenhos que ele fez para Duna, eu pude sentir como se eu realmente tivesse filmado a obra. Qualquer um olhando o seu trabalho pode sentir que eles tiveram a experiência do filme tão completamente como se o tivessem visto na tela”.
O qual, é claro, era um número razoável para quase dois anos de intenso trabalho, quando o projeto foi suspenso. Frank Herbert estava infeliz com Jodorowsky, acusando o diretor de tomar liberdades demais com seu livro (o que é verdade), e o apoio financeiro foi retirado. A relevância de Duna de Jodorowsky, entretanto, esteve justamente em seu fracasso: ele se tornou um colossal catalizador criativo. O’Bannon, Moebius e Giger explodiram depois de participarem de Alien de Ridley Scott, e Jodorowsky e Moebius começaram a fazer quadrinhos para valer, utilizando muitas das ideias que surgiram durante o período de trabalho com o defunto filme.
O Incal
Se Jodorowsky esculpiu para si uma carreira única como criador de quadrinhos visualmente deslumbrantes, O Incal é o primeiro grande exemplo disso. Alegadamente concebido pelo autor em um sonho, Incal se tornaria o repositório primário do mythos do “Jodoverso”, contendo, como dito, inúmeros elementos planejados inicialmente para Duna – muitos deles, incidentalmente, que levaram Herbert a boicotar a obra.
Ele começa como uma espécie de colisão profana entre ficção científica hardboiled noir e Metropolis de Fritz Lang, antes de metamorfosear em uma demanda cósmica/viagem espiritual, conforme o herói John Difool se aventura através do universo copulando com aliens, persuadindo todo o universo a tirar um bom cochilo, e finalmente conhecendo um ser divino chamado ORH, tornando-se uma espécie de “Buda” futurista.
O cenário é um pesadelo distópico subterrâneo em algum momento cerca de 10 mil anos no futuro. Difool é um detetive particular corrupto que de repente encontra a si mesmo como um relutante protagonista de uma conspiração cósmica de proporções arrebatadoras. No centro da história está o quintessencial “Jodotema” de transformação: Difool, de acordo com o autor, “nunca para de mudar. Ele se metamorfoseia, progride – e às vezes regride”. A série, de fato, une a maior parte das características das obras de Jodorowsky – a busca espiritual, transcendência violenta, simbolismo esotérico – em seguida, elevando-os para uma escala cósmica, através de belíssimas sínteses de imagens e palavras.
A HQ mistura sátira, ação e metafísica em um requintado pacote sci-fi que introduz diversos temas aos quais o autor retornaria durante sua carreira. Com personagens baseados em arcanos do Tarô, O Incal explora a revolta contra a opressão religiosa, o poder do indivíduo e do etéreo em uma sociedade tecnocrata, e a realização do seu “eu” essencial.
Arremessado em um frenesi de sexo e violência, corpos dissolvidos, símbolos, arquétipos, metafísica e uma influência pesada do Tarô – talvez assim, o amigo leitor possa ter uma vaga ideia do que se passa em O Incal. Você não ficará surpreso em saber que a narrativa ascende espiralmente para longe de qualquer controle no fim, antes de colidir novamente no chão, dragado por impenetráveis divagações, cujos conceitos e imagens parecem remontar ao movimento da Nova Era.
De fato, a possibilidade de um desastre narrativo, comum às suas investidas no cinema, se anuncia desde o início da obra – são parte do suspense até, pois sabemos que, criativamente, Jodorowsky é completamente desinibido ao ponto da imprudência. Felizmente, o brilhantismo de sua imaginação, acompanhado da fantástica arte de seu artista Moebius, transcende completamente o final, impondo-se através das qualidades inefáveis dos gênios de ambos.
Jodorowsky ainda retornou ao Incal no prelúdio Antes do Incal com o artista Zoran Janjetov; e o que se pretendia ser a conclusão da saga, Depois do Incal novamente com Moebius. Quando Moebius não pôde/não quis completar – e faleceu não muito depois disso – Jodorowsky reescreveu o texto como Incal Final para o artista Jose Ladronn. Na sua totalidade, o ciclo de Incal é como um loop recursivo que repete, refuta e repete novamente a jornada improvável e indesejada de John Difool rumo à Iluminação que é, ao mesmo tempo, espiritual, prática, sexual e cômica.
A obra ainda apresenta muitos personagens recorrentes e importantes do “Jodoverso”, como Animah e Tanatah (irmãs que guardam os Incals Sombrios e Luminosos), Deepo (a gaivota de concreto de estimação de John), Kill Wolfhead (um mercenário que, sim, tem a cabeça de um lobo), Os Tecnopadres (e seu Tecnopapa), a elusiva Imperatriz, e, claro, o Metabarão.
O Incal continua a inspirar alguns dos maiores criadores de hoje – o co-criador de Kick-Ass, Mark Millar, se refere ao Incal como “uma das mais perfeitas HQ’s já concebidas” – e foi bem-sucedida o bastante para ter gerado esses prelúdios, sequências e numerosos spin-offs; sendo o mais conhecido deles, claro, Os Metabarões.
Conforme a indústria do cinema continua a picaretar as HQ’s em busca de ideias originais, já não é mais surpresa para ninguém que mesmo o abstrato e poderoso “Jodoverso” agora é considerado carta na mesa para os produtores mais ousados. O diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn – que dedicou alguns de seus últimos filmes, Drive e Só Deus Perdoa, para o seu amigo e influência maior, Jodorowsky – recentemente anunciou que pretende fazer uma adaptação cinematográfica de Incal. O que significa que, além de tudo, veremos Ryan Gosling com a cabeça raspada.
Os fãs de Jodorowsky, no entanto, nunca ficaram muito animados com essas notícias: eles já ouviram esse tipo de conversa antes, e só acreditarão quando estiverem no guichê da bilheteria comprando os ingressos. Os vinte e quatro anos sabáticos de cinema do autor foram pontuados por chamativos projetos – mais notavelmente, uma sequência para El Topo e um “western spaghetti metafísico de gangsters” produzido por David Lynch chamado King Shot; todos eles terminaram no mesmo buraco-negro onde seu Duna está há décadas.
O filme de Incal provavelmente nunca sairá de lá também – e talvez, tanto melhor assim. Ao contrário de muitas outras mitologias dos quadrinhos, o “Jodoverso” não parece se submeter nada bem a dinâmica encaixotada e pasteurizada dos grandes blockbusters modernos.
É uma criação profundamente pessoal e ferozmente descomprometida, que canaliza toda uma vida de exploração artística e espiritual em uma lúgubre obra de loucura, gênio, deslumbrante beleza e, muitas vezes, de inconsolável brutalidade. Ela tem potencial para ofender a todos – principalmente conservadores mais sensíveis – mas, mesmo assim, traze-la a vida no cinema necessitaria o tipo de excesso orçamentário que faria os filmes de James Cameron parecerem a vila do Chaves. Até onde podemos ver, assim, o “Jodoverso” irá permanecer provavelmente infilmável.
Felizmente, o sucesso ou não das empreitadas de seus quadrinhos no cinema nunca fizeram Jodorowsky interromper a produção de quadrinhos em si. O que o levou a expandir seu “Jodoverso” para criar outra série de obras primas, a saga dos Metabarões.
Os Metabarões
Metabarões é um épico de ficção científica que atravessa gerações, e trata do relato da ascensão dos epônimos protagonistas de humildes cortadores de pedra em um planeta de mármore, até se tornarem os mais formidáveis guerreiros da galáxia. Brutalmente violento, emocionalmente denso e quase operístico em tom – com personagens multidimensionais, profundamente falhos, mas honrosos na medida do possível – Metabarões não se parece com absolutamente nada que você tenha vista em qualquer forma de arte.
Publicado originalmente pela editora francesa Les Humanoïdes Associés: e apresentando uma suntuosa arte do veterano pintor argentino Juan Giménez – a obra combina uma narrativa sólida, rica em subtexto, com visuais estonteantes. Desde que foi lançado em língua inglesa cerca de uma década atrás, a série se tornou um sucesso comercial, conquistando críticas vorazmente positivas, reverências de alguns dos maiores nomes vivos dos quadrinhos, e uma propaganda boca-a-boca que continua a incitar novos leitores.
Ah, sim, nós mencionamos que é completamente insano?
Em Metabarões, você nunca sabe que tipo de noção demente, conceito selvagem ou imagem surreal Jodorowsky e Giménez vão arremessar sobre os seus olhos na próxima página. Pode ser uma imensa frota de naves alienígenas escondidas dentro de um falso planeta; ou talvez uma cabala de bruxas traiçoeiras que viajam através do espaço em um peixe gigante. Pode ser até mesmo um garoto flutuante que mutilou seu próprio pé apenas para ganhar o respeito de seu pai. Citando Warren Ellis novamente: “Existe, literalmente, uma nova e louca ideia em cada página”.
Na tradição dos Castakas, cada pai inicia seu filho na casta guerreira com um ato de mutilação. Para que cada filho possa assumir seu papel como líder da sua tribo, ele precisa matar seu próprio pai em combate direto. Como um conto de fadas sombrio, Metabarões é uma saga brutalmente violenta e bizarra sobre cura, a aceitação de um homem do seu lado feminino (articulada através de temas andróginos que crescem no decorrer da história), e mesmo – vejam só – o amor.
A feroz, efervescente e aparentemente sem limites imaginação de Jodorowsky permeia todo o trabalho de Metabarões tanto quanto Incal – e talvez mais. É um reflexo daquilo que dissemos anteriormente: sob o véu da loucura conceitual, existe uma unidade na obra do autor. Ao contrário do trabalho de outros migradores de mídias, os quadrinhos do “Jodoverso” – com sua combinação de visceralidade imagética e profundidade esotérica – são tematicamente inseparáveis das obras do diretor no cinema.
Mas talvez possamos ser ousados, e dizer que seus trabalhos nos quadrinhos – exemplificados em Metabarões – vão além das obras cinematográficas, determinando o apogeu de uma vida de experimentação artística, e refletindo sua obsessão apaixonada com a auto-transformação, o misticismo e a violência. De certa forma, podemos interpretar o “Jodoverso” como uma continuação da mesma alquimia artística, por meios diferentes.
Em muitas das histórias do autor, incluindo aí The Technopriests com o artista Zoran Janetov (que também se passa no “Jodoverso”), e The White Llama com George Bess, os personagens de Jodorowsky passam, todos, por um processo de transformação – às vezes físico, às vezes espiritual, às vezes ambos. Eles transcendem formas, mentalidades e dogmas. Eles evoluem.
O que também pode ser encontrado na maior parte das histórias de Jodorowsky são ecos da sua filosofia da “psicomagia” – uma aproximação xamânica do conceito de terapia, que tenta curar tormentos psicológicos através do ritual da arte – mesmo que sejam westerns sci-fi e comédias de sexo. E, de alguma forma, ele assim o faz com histórias que são satisfatórias enquanto artefatos de bizarrice pop, que desafiam e confrontam, chocam e entretem.
Sua mistura de humor, ação, paródia, misticismo, ficção científica, fábulas, relações masculino e feminino, relações entre o eu e o outro, e até mesmo uma auto-consciência zombeteira fazem dos quadrinhos de Jodorowsky, para muitos, algumas das mais fascinantes histórias – completamente alhures ao universo dos quadrinhos americanos.
Para os não iniciados, os quadrinhos de Jodorowsky parecem, a uma primeira vista, estranhas transmissões vindas de outro mundo, com valores, conceitos e ideias completamente diferentes dos nossos. Após estar completamente imerso nesse mundo, no entanto, o amigo leitor pode vir a acreditar que esses valores, conceitos e ideias são, na verdade, os únicos que realmente importam. E que este pode ser o ato de transformação que ele pretendeu sobre você desde o início.
E assim deve ser: pois todo universo, este ou o de Alejandro Jodorowsky, estão em permanente transformação.