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Acessórios de Super-Herói: O Bat-Dinheiro!

Finalmente concluindo a série Acessórios de Super-Herói, artigo orgulhosamente traduzido pela equipe do Formiga Elétrica. O texto de Lance Parkin, publicado no SeqArt, passa por temas polêmicos, como a relação entre o justiceiro mascarado norte-americano e a KKK, assim como a dificuldade de um personagem clássico da Era de Ouro, Superman, atrair o interesse da geração atual.

Esses tópicos você encontra nos links abaixo:

Vigilantes Mascarados : Primeira parteFinal

Verdade, Justiça, toda essa coisa: Primeira parteFinal

Aqui está o texto original!

Fique agora com a última parte, publicada de uma vez, com as considerações finais sobre a fortuna de um certo Homem-Morcego!

Acessórios de Super-Herói

Acessórios de Super-Heróis: Mais bat-dinheiro, mais bat-problemas!

Vale notar que tanto a Klan real quanto a KKK ficcional vista em O Nascimento de Uma Nação começaram com jovens brancos, ricos e morando em mansões. O herói do filme, Ben Cameron, o primeiro a vestir as roupas, é o filho de um proprietário de imóveis da Carolina do Sul. O primeiro líder da Klan era um ex-General Confederado, Nathan Bedford Forrest, que foi investido em uma das reuniões regulares do grupo, no suntuoso (embora não finalizado na época) Maxwell House Hotel, em Nashville. Como originalmente previsto, esta era uma organização para homens brancos que também fossem ricos e sulistas – eles eram a classe oficial em comando de escalões inferiores. Historiadores debatem se a espiral de violência e sangue de responsabilidade da KKK foi orquestrada pelos oficiais, ou – como alguns oficiais afirmaram depois – se representou a perda de controle de seus homens.

Nem todo cara rico e branco estava na Ku Klux Klan e não há razão para achar que o personagem Bruce Wayne poderia ser politicamente solidário a eles. Os primeiros quadrinhos do Batman eram para crianças, e neles a riqueza de Bruce Wayne é um pano de fundo. Como Pimpinela Escarlate ou Zorro – e quase certamente a ideia para ele veio destes personagens -, a condição privilegiada de Bruce Wayne era basicamente trabalhada para contrastar sua identidade secreta almofadinha com o herói pragmático que ele realmente era. Bruce Wayne, como Clark Kent, finge ser delicado e ineficiente.

Sempre houve grandes implicações “políticas” para o fato de Batman ter herdado sua fortuna. O herói das histórias do Batman é, incontestavelmente, um membro de uma elite privilegiada branca e masculina. Os axiomas de Batman assumem uma idolatria da riqueza, paternalismo, vigilantismo e a desconfiança quanto às instituições civis. Roteiristas têm, frequentemente, salientado que Bruce Wayne é um dos maiores filantropos do mundo, que distribui doações, emprega ex-criminosos que quer reabilitar, que é preocupado com o meio ambiente, mas é difícil posicionar o personagem em qualquer lugar que não seja centro-direita, politicamente falando. Ele pode ser um bom capitalista, mas ele é, inevitavelmente, um capitalista – não apenas alguém com uma visão igual à maioria dos Americanos, de que o livre mercado é melhor que o comunismo, mas alguém com vastos montantes de capital.

Bruce Wayne é rico desde sempre, mas como muitos daqueles nos escalões superiores, tem visto sua riqueza expandir-se exponencialmente nos últimos anos.

Enquanto Bruce Wayne era referido como um “milionário” em suas primeiras aparições, não houve tentativa de quebrar seu patrimônio líquido ou alavancar seus negócios. É muito importante notar que Bruce Wayne não foi sempre tão rico como é retratado agora. Em Detective Comics #205 (1954), por exemplo, a Mansão Wayne é grande, mas ainda relativamente modesta:

Acessórios de Super-Herói

Perceba que Bruce Wayne é visto aqui como um adulto comprando a propriedade. Havia gente super-rica na vida real quando Batman foi criado, assim como havia personagens super-ricos na ficção. Bruce Wayne não era, como originalmente concebido, um Gatsby ou Charles Foster Kane. Originalmente ele era filho de um médico e herdou dinheiro o bastante para comprar uma casa grande (que ele descobriu ter um porão bastante útil), dirigir um carro veloz e não precisava de um emprego diurno, então poderia dormir até tarde depois de uma noite atarefada.

Hoje em dia, Bruce Wayne mora em um lar ancestral do tamanho de Gormenghast*, situado no topo de um vasto hangar lotado de bombardeiros stealth e super-carros customizados.

*(Castelo da série de livros do escritor Mervyn Peake.)

Um pouco disso pode ser explicado como uma questão de semântica: na década de 1980, ser um “milionário “ não era tão notável quanto costumava ser cinquenta anos antes (hoje em dia há cerca de cinco milhões de pessoas nos EUA com um patrimônio acima de $ 1 milhão). Os dois primeiros filmes de Tim Burton mostram Wayne como imensamente rico e materiais para imprensa e outras peças de marketing se referiam a ele como um bilionário, mas a palavra não era usada na tela. Mesmo em O Cavaleiro das Trevas (a HQ de Frank Miller), ambientado décadas no futuro – ou como Will Brooker* escreveu em 2001 – ainda atrelava Wayne ao termo “milionário”.  Isso mudou no meio da década de 1990.  Wayne é referido como “bilionário industrial” em Batman Eternamente (1995), e as Empresas Wayne mostram um “aumento de trinta bilhões de dólares nas receitas” em um trimestre em Detective Comics #682 (fevereiro de 1995). Colocando em perspectiva, a Apple teve $ 37, 5 bilhões em receita total no último trimestre de 2013. A fortuna de Wayne, dizemos agora, vem de ser o chefe de um vasto conglomerado com interesses em aeronáutica, imóveis, tecnologia médica, farmacêutica, agricultura, eletrônica… a lista vai embora.

*(Will Brooker é um acadêmico especialista em estudos culturais. Publicou em 2001 uma série de ensaios intitulada Batman Unmasked: Analyzing a Cultural Icon.)

Sem dúvida estamos vendo a influência dos filmes sobre os quadrinhos – no Who’s Who in The DC Universe, de 1985, a Mansão Wayne era grande, mas não imensa:

Acessórios de Super-Herói

Foram os filmes de Tim Burton que a reimaginaram como uma enorme casa de estilo Gótico. Roteiristas em busca de “realismo” precisavam de um Bruce Wayne extremamente rico, para assim poderem incluir um Batplano sem leva-lo à falência. Algo disto pode ser por Lex Luthor ter sido repaginado como um magnata, explicitamente um bilionário, na reformulação do Superman durante a década de 1980, e os roteiristas quiseram Bruce Wayne no mesmo patamar. Da mesma forma, como fan service, os artistas começaram a desenhar os velhos modelos do Batmóvel como detalhes no cenário da Batcaverna – acidentalmente implicando que ao invés de termos “O Batmóvel”, um veículo (mais ou menos) que diferentes artistas desenharam de diferentes formas ao longo dos anos, Bruce Wayne mantém uma frota deles.

Muito da nova riqueza ficcional de Bruce Wayne é resultado de acidente ou efeito acumulativo. Mas o ponto é que ele é um bocado mais rico do que costumava ser. Um milionário precisa de milhares de vezes mais dinheiro para ser um bilionário. Bruce Wayne passou de ser um playboy conhecido como “o homem mais rico de Gotham”, para alguém que poderia confortavelmente ser uma das pessoas mais ricas do mundo. A Forbes calculou que que ele teria $ 6,5 bilhões em 2012, o que o colocaria em 182 º na lista de pessoas mais ricas da vida real. Eles não mostraram como chegaram a esta conclusão, mas é fácil argumentar que Wayne tenha ainda mais que isso.

E a consequência impactante é que enquanto a riqueza de Bruce Wayne costumava ser um recurso de história para crianças, para explicar como ele poderia pagar por tantos Batarangues para, literalmente, joga-los fora, agora é uma presença que tem que ser uma questão política, se estivermos procurando a psicologia e os valores adultos em nossas histórias do Batman. Sabemos que Bruce Wayne sente que o sistema pesa contra ele, que ele queima internamente pela injustiça. E existem pessoas super-ricas no mundo real que pensam assim, assim como há aqueles profundamente preocupados com a influência de pessoas como os irmãos Koch, Sheldon Adelson ou (à esquerda) George Soros nos políticos norte-americanos. É incomum alguém classificado como neutro ou apolítico, mas é completamente impossível que um bilionário esteja neste grupo. Desde a década de 1990, uma oligarquia global emergiu no mundo real e as histórias do Batman o plantaram firmemente nela. E uma vez que esse é o caso, é impossível para Bruce Wayne ser o espectador passivo que ele finge ser em suas primeiras histórias.

Pense desta forma: Bruce Wayne se preocupa com a violência armada. Em nosso mundo, a Associação Nacional do Rifle (NRA) tem um orçamento anual de $231 milhões. Isso é uma quantidade assombrosa de dinheiro, que é uma boa forma de explicar porque mesmo uma legislação moderada de controle de armas se mostra difícil de se concretizar. Isso é dinheiro de pinga, no entanto, se sua fortuna é de $ 6,5 bilhões. No Universo DC, Bruce Wayne poderia disputar com a NRA, dólar a dólar, sem sequer suar, e se ele fizesse isso seria muito ingênuo achar que não haveria um efeito no cenário político. Se você é pelo controle de armas, isso pode até soar como um panorama atraente, até você perceber que isso não é democracia, é tirania, mas com um tirano com quem você tem afinidade.

Os filmes de Christopher Nolan, particularmente, parecem entender isso. Bruce Wayne tem mais tempo em cena do que o Batman, vemos as festas e reuniões de diretoria. Lucius Fox o chama de “um dos homens mais ricos e poderosos do mundo”, e só este fato é o bastante para assustar o pretenso chantagista com quem ele fala. Vez por outra, Wayne usa seu dinheiro para agir do seu jeito – no segundo filme, ele junta mesas em um restaurante onde é proprietário, compra secretamente ações de sua própria companhia para livrar-se do personagem de Rutger Hauer (N.T.: Isso em Batman Begins, ou seja, o autor do texto se confundiu…), diz a Harvey Dent que “um evento com meus parceiros e você nunca mais precisará de um centavo”, financia a criação de uma tecnologia que transforma todo celular da cidade em um sistema de rastreamento sonar. Alguns destes casos são explicitamente marcados como preocupantes os desagradáveis, e podemos sempre cair na explicação de que Bruce Wayne está interpretando um idiota rico. Mas enquanto os filmes de Nolan compreendem a importância da vasta riqueza e a problematiza, simplesmente como o Capitão América precisa resolver tudo incapacitando seus vilões com seu escudo, as necessidades da fórmula Batman mostram que os filmes de Nolan não podem chegar ao fim pelo mesmo caminho em que se iniciaram.  Em O Cavaleiro das Trevas Ressurge (lançado um ano depois que os protestos Occupy – com pessoas usando máscaras de V de Vingança – estouraram pelo mundo), Selina Kyle diz:

“Há uma tempestade chegando, Sr. Wayne. É melhor você e seus amigos trancarem-se, pois quando ela atingi-los, vocês se perguntarão como puderam sempre viver com tanto, deixando tão pouco para o resto de nós”

O que realmente acontece é que, no fim do filme, a contra-revolução é bem-sucedida, a ordem é restaurada pela polícia e a punição de Wayne é… desaparecer em outro país e dividir a cama todas as noites com Selina Kyle. Se seguirmos a lógica, ainda existe um monte de ricaços malvados em Gotham, que agora tem um cara rico do bem a menos.

Nós ainda nem chegamos ao Batman. Qualquer que seja a motivação de Bruce Wayne, fundamentalmente, o que ele faz com todos os seus recursos é cobrir-se de kevlar e apetrechos e sair para socar pessoas. Como se observa, tem havido casos na vida real de caras ricos e brancos que vivem em mansões, colocando máscaras para assustar pessoas em particular, invadindo suas casas para espanca-los. Também existem vigilantes do mundo real que “tomam a lei em suas próprias mãos”. Muito raramente, se muito, nosso mundo tem sido um exemplo de harmonia e segurança.

Uma cena aparentemente obrigatória em filmes de super-heróis é aquela onde a polícia, exército, força aérea ou serviço secreto se mostram indefesos e são massacrados pelo super-vilão. Sim, em um mundo ameaçado por alienígenas, monstros gigantes e cientistas loucos em armaduras de batalha, faz sentido para pessoas com habilidades especiais assumir a tarefa de lutar com essas ameaças inusitadas. Ainda assim, o público hoje tem preferido Batman lidando com matadores solitários, gângsteres e outros malvados “urbanos”. Os malfeitores mais estranhos ou cômicos na galeria do Batman tem recebido um tratamento, digamos, mais “realista”, como o Pinguim, agora um dono de boate e contrabandista, ao invés de alguém empenhado em roubar estátuas de pássaros com um guarda-chuva que serve como pára-quedas e lança-chamas.

Vamos dar uma olhada em dois quadros de Batman – Ano Um:

Batman- Ano Um

O que há de errado com essa figura?

Um membro dos super-ricos está esmurrando três adolescentes afro-americanos, porque ele estava patrulhando os telhados e os viu roubando uma TV e um toca-discos. Perceba que não vemos o dono da televisão, a vítima do crime. A TV termina espatifada no beco abaixo. Agora considere que a pessoa batendo nestes caras dirige uma companhia que viu um acréscimo em suas receitas de $ 75 mil por minuto. Esse é mesmo o método mais eficiente que Bruce Wayne tem para aplicar seus recursos, caso ele fale sério sobre “combater o crime”? Os três ladrões são afro-americanos… Miller e Mazzucchelli estariam ferrados de um jeito ou de outro. No mesmo número desta cena, existe um policial afro-americano em uma reunião, os outros únicos personagens não-brancos são traficantes de drogas que aparecem em um quadro de flashback do relato mentiroso de um policial corrupto. Ainda assim, virtualmente todo mundo na história é um trapaceiro de alguma forma. Os “bons” – Wayne, Gordon e suas esposa – são todos personagens já estabelecidos como brancos. No entanto, ainda que eu não faça exigências sobre controlar a taxa cambial, isso me parece mais problemático que Gollywog em The Black Dossier*. Existem quatro pessoas negras neste número e Batman aparece surrando três delas. O efeito disto é colocar o Batman próximo da KKK ou no território de George Zimmerman**. Novamente, não acho que Batman seja racista… Sua tendência não é perseguir pessoas pela cor, pois sua preferência é por gente desfigurada e mentalmente insana. Mesmo se ignorarmos o fato de que nos é dito que ele combate o crime especificamente como uma forma de terapia para lidar com a morte de seus pais nas mãos de um bandido, e desculpem-no por dizer que ele luta mesmo é pelo rapazinho, Wayne é irremediavelmente paternalista, agindo fora de um sistema legal, o que é inexplicável. Suas táticas são assustar e bater em seus oponentes. Sua escolha de alvos é questionável por um sem-número de razões.

*(Personagem do fim do século XIX, utilizado para o referido volume de A Liga Extraordinária, de Alan Moore e Kevin O’Neill. Trata-se de um desagradável estereótipo racial afro-americano.)

**(Indiciado e absolvido em um caso de assassinato em segundo grau de um jovem negro, em 2013)

Em algum ponto desta leitura, você provavelmente levantou as mãos e disse “é uma história em quadrinhos, não um documentário”… e naturalmente é algo saudável (Como Grant Morrison observou, a resposta para a pergunta sobre quem troca os pneus do Batmóvel é que ninguém troca os pneus do Batmóvel. É só uma história). Mas o problema é que tentam levar essas HQ’s cada vez mais ao “realismo”. De uma forma geral, Alan Moore está certo. Existe um problema em reposicionar as histórias para crianças de ontem como histórias para adultos hoje. Valores mudam ao longo do tempo. Em alguns casos, representações que eram perfeitamente aceitáveis décadas atrás – até progressistas – são sexistas e racistas para o olhar moderno. Isso se aplica tanto aos romances e cinema quanto aos quadrinhos, claro, mas a natureza da continuidade das histórias de super-heróis traz alguns problemas peculiares – quase únicos. Esses incluem um legado insidioso de pautas. No atual clima político, um cara rico com um bunker cheio de armas que ignora a lei representa um tipo muito específico de desejo e realização, apoiado apenas pela orientação libertária de Ayn Rand. Para qualquer outra pessoa existe algo… desagradável sobre o “bilionário Bruce Wayne”  tirando bandidos das ruas. É a própria definição de luta desigual. Podemos, é claro, levar quase as mesmas acusações contra o herói mais popular da Marvel hoje, o Homem de Ferro. E podemos desculpar os dois por serem personagens conhecidos. Não acho provável que isso seja alguma declaração política deliberada. Isso é um amplo conjunto de coisas não relacionadas vindo juntas. As histórias dos primórdios do Batman são fantasias para crianças, basicamente sobre o Tio Patinhas combatendo o Papa Burguer*. Histórias para adultos podem ser divertidas e fantásticas, mas não deveriam ser negligentes.

(Hamburglar, no original. É o personagem do McDonald’s com máscara e roupa listrada de presidiário)

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