George R. R. Martin é um dos mais interessantes escritores de nosso tempo. Mesmo não tendo sido contemporâneo de J. R. R. Tolkien, autor da saga O Senhor dos Anéis, e C. S. Lewis, criador de As Crônicas de Nárnia, possui um estilo de escrita muito parecido com o destes. Recentemente, vivenciou a popularização de sua obra na adaptação televisiva de um de seus maiores sucessos, As Crônicas de Gelo e Fogo. Game of Thrones (HBO, 2011 – Atualmente) abriu portas para as adaptações fantásticas mais realistas e violentas na televisão e tornou o nome de Martin conhecido do grande público. Porém, é digno de nota seu trabalho paralelo à sua saga mais famosa, bem como, também, sua imensa criatividade.
Ao criar um RPG para se divertir com os amigos intelectuais, Martin desenvolveu o que viria a ser a antologia Wild Cards, originalmente publicada em 1987. O compêndio, que atualmente conta com 22 livros, cinco deles já publicados no Brasil pela Editora Leya e todos editados lá fora por ele próprio, mas escritos por ele e vários outros autores, tem como objetivo contextualizar a realidade do jogo e evoluir a cada publicação, mostrando a sociedade e os personagens em constante mudança.
A história do primeiro volume, Wild Cards: O Começo de Tudo, publicado no Brasil em 2013, relata a queda de um artefato alienígena contendo o vírus Carta Selvagem (daí o título original) no Planeta Terra de 1946. Recém-saído de uma Guerra Mundial, nosso mundo passa por um grande extermínio, uma vez que o vírus elimina boa parte dos humanos, transformando a minoria sobrevivente ou em seres deformados (os Curingas) ou com superpoderes (Os Áses, a minoria da minoria). A interferência destes seres na realidade que até então conhecíamos é o que chama a atenção neste livro. Logo no começo, conhecemos a raça alienígena que criou o vírus, sua motivação e as tentativas do governo norte-americano para entender o vírus e interceptá-lo (essa introdução, feita completa no primeiro conto, será rememorada nos demais, em pequenos trechos ou referências).
Nos capítulos seguintes, acompanhamos o dia-a-dia dos terráqueos após o ataque e como as alterações genéticas foram benéficas ou maléficas, tendo o alienígena Tachyon (que foi quem tentou alertar aos terráqueos da ameaça iminente) como o fio condutor que amarra as histórias. A ideia de refletir sobre o que é bom para você não ser bom para mim se aplica às aparências e às habilidades. No contexto da história, o vírus só potencializa o que, socialmente falando, já ocorria (preconceitos gerados por diferenças de intelecto, condição social ou econômica).
Cada capítulo ser escrito por um autor poderia confundir o leitor ou tornar o texto pouco coeso. O resultado, porém, é o total oposto. A existência de diferentes personagens em um mesmo universo, sofrendo (ou não) o mesmo tipo de drama, aliado à excelente escrita, torna a leitura bastante prazerosa. Você consegue perceber as diferenças de estilo, mas isso não diminui a qualidade da linha narrativa. A cada novo capítulo, os personagens introduzidos lembram situações de capítulos anteriores ou, até mesmo, de outros autores e títulos (as mudanças corporais do personagem Croyd, do texto O Dorminhoco, de Roger Zelazny, são incrivelmente semelhantes às do protagonista do livro A Maldição do Cigano, de Stephen King, mesmo que a origem, neste caso, seja completamente diferente).
Uma sugestão: leia o livro cronologicamente, como ele foi pensado, e depois leia aleatoriamente os contos que mais lhe interessam. O fato de você já conhecer o universo de Wild Cards vai tornar a leitura muito divertida e tirar o conto em questão do contexto principal pode lhe fornecer uma perspectiva diferente. Caso queira conhecer um pouco mais, acesse este site, elaborado pela editora para contar um pouco sobre como surgiu este universo e fornecer um resumo das obras já publicadas no Brasil.
Wild Cards: O Começo de Tudo é uma história bem contada, com um quê nas fábulas. É ótimo como antologia e funciona muito bem como romance. E, tenho certeza, deve ser um jogo e tanto.