O século XIX foi abrigo de muitos eventos marcantes na história da nossa sociedade. Além do colapso de grandes impérios europeus e asiáticos, como o Sacro Império Romano e o chinês, tivemos a famosa Revolução Industrial e também várias descobertas e invenções nas áreas de mecânica, eletricidade e transporte. É nesse contexto de crescimento populacional e urbano que viveu um dos mais importantes contistas e poetas do suspense literário, Edgar Allan Poe.
Em Vou lhe mostrar o medo, escrito pelo norueguês Nikolaj Frobenius (roteirista da versão original do filme Insônia) e publicado em 2008, acompanhamos a vida de Poe desde a infância até sua morte em 1849, focando nas relações familiares, os conflitos que teve com os escritores e críticos literários da época e nos misteriosos assassinatos claramente inspirados em seus escritos. Misturando realidade e ficção, a obra assume um tom de biografia romanceada com grandes doses de mistério e suspense, digno dos contos de Poe.
Ao acompanharmos o protagonista na carreira de poeta e escritor, notamos dois aspectos muito fortes que compõem sua personalidade. Um deles é arrogância. Poe trata a grande maioria dos seus críticos e escritores contemporâneos com um forte desdém e simplesmente não aceita a ideia de não ser reconhecido. Tal raiva é ainda mais acentuada por seu eterno estado de pobreza e testemunho da tuberculose de sua esposa. O outro aspecto é seu fascínio pela morte. Em diversas passagens do livro ele fala sobre a beleza existente no conceito da morte, e sua paixão mostra-se doentia quando o próprio admite amar mais sua esposa quando está moribunda.
Além de Edgar Allan Poe, outra figura central é a do poeta e crítico literário Rufus Griswold. Religioso e cidadão exemplar – de acordo com o pensamento geral da época – Griswold torna-se o maior inimigo e, de certa forma, o melhor amigo de Poe. Mesmo não considerando as obras dignas das ”pessoas de bem“, Rufus enxerga uma inquestionável qualidade, porém as aponta como destituídas de moral e afirma que renegam a Deus. Mesmo odiando-as não consegue parar de lê-las, com uma mistura volátil de fascinação e desgosto, o que torna os diálogos entre Edgar e Rufus o ponto forte do livro. As falas de cada personagem – além de serem uma análise do próprio Nikolaj sobre a obra de Poe – são muito bem escritas e conseguem dar o tom da sensível relação entre essas duas figuras opostas que se admiram.
A partir do momento em que os assassinatos se iniciam, temos a sensação de que a narrativa ganhará um tom mais próximo do thriller, mas Frobenius nos surpreende em não colocar o protagonista na posição de suspeito – o que seria o clichê óbvio. Ao invés disso, a história se preocupa mais em explorar as questões psicológicas dos personagens em meio a esses crimes bizarros.
A narrativa também traz dois diferentes estilos que enriquecem a percepção dos acontecimentos. Quando acompanhamos Poe e Griswold, lemos uma história em terceira pessoa. Em outros momentos específicos, a leitura é intercalada com capítulos escritos de forma rudimentar em primeira pessoa. São as cartas enviadas a Poe por Samuel Reynolds, um albino, filho de escravos, que criou uma elevada admiração pela obra e pessoa do escritor. Ao ler essas passagens, sentimos um incômodo ao perceber que Samuel foi influenciado, da pior maneira possível, pelo elemento misantrópico das histórias de Poe.
Com referencias a inúmeros poemas e contos de Edgar Allan Poe, Vou lhe mostrar o medo é um ótimo suspense psicológico, com diálogos ácidos e uma análise do panorama literário da primeira metade do século XIX. Funcionando como um verdadeiro romance biográfico, o livro de Nikolaj Frobenius é leitura essencial para qualquer um que se interesse pelo pai do gênero policial na literatura.