Colocar sua vida em risco exige uma motivação muito forte. Pode ser por afeto, ideologia ou até mesmo dinheiro, e lutar pelo país – como um soldado – requer alguns desses elementos. Escrito por Robert A. Heinlein, Tropas Estelares (Starship Troopers) traz uma dúvida: quando a motivação é por um ideal, quanto de livre-arbítrio existe na decisão de fazer parte das forças armadas e quanto dessa escolha é feita através de uma manipulação intrínseca na sociedade?
Considerado um dos grandes autores da Era de Ouro da ficção-científica, junto com Isaac Asimov (Eu, Robô, O Cair da Noite, As Cavernas de Aço) e Arthur C. Clarke (As Fontes do Paraíso, O Fim da Infância), Robert A. Heinlein marcou o gênero com obras distintas e, por vezes, até polêmicas. Ganhou quatro Hugo Awards, o mais prestigiado prêmio de FC no mundo, com os romances Double Star (1956), Tropas Estelares (1959), Estranho Numa Terra Estranha (1961) e The Moon Is a Harsh Mistress (1966).
Aqui, somos inseridos em um futuro onde a humanidade já domina a tecnologia das viagens interestelares e a população é dividida entre civis, pessoas comuns, e cidadãos, aqueles que prestam ou prestaram serviço militar e só estes têm o direito de votar. Escrito em primeira pessoa, somos colocados na pele de Juan Rico, um adolescente filipino que se alistou no Exército da Federação e passa por um rigoroso treinamento até se tornar um soldado e combater na Guerra dos Insetos. O conflito é travado entre os humanos, que buscam expandir seus domínios através da galáxia, e os insetóides, uma raça alienígena com tecnologia avançada e organização semelhante a uma colônia de formigas.
Com relação ao estilo guerra futurista, Heinlein se dá muito bem. Por ter experiência militar, o autor consegue criar facções e armamentos que possuem um propósito muito bem definido e funcional para o mundo retratado. Os soldados se utilizam de um exoesqueleto robusto que, além de fornecer diversos tipos de armamentos para o usuário, também possibilita que o combatente se locomova e dê saltos muito eficientes.
O treinamento para ser um soldado é árduo e preciso. A Federação faz o alistamento ser complicado e uma eventual desistência ser facilitada, justamente para filtrar quem quer realmente fazer parte do Exército. Antes de iniciar sua carreira militar, Rico não sabe ao certo o que quer da vida e seus pensamentos e argumentos sobre diversas coisas são muito ingênuos. O amadurecimento do personagem acompanha seu treinamento e acontece naturalmente junto com as experiências. Participar da Infantaria Móvel traz um sentimento de realização em Rico, que passa a considerar que os cidadãos são superiores aos civis. Até onde essas escolhas são conscientes ou fruto de uma manipulação disseminada socialmente, fica para o leitor interpretar como preferir.
O livro gerou muita polêmica e polarizou o público entre aqueles que o consideram um verdadeiro marco da ficção-científica e os que acham que a obra possui um cunho fascista e racista, devido uma admiração exacerbada às Forças Armadas, à suposta superioridade ideológica dos militares e ao genocídio de uma raça em prol da expansão territorial. Particularmente, acredito que haja um exagero de ambas as partes.
Como a narrativa de Tropas Estelares foi escrita em primeira pessoa, temos ideia do panorama político e social através dos olhos do protagonista e das pessoas à sua volta. Fica claro que a visão ideológica apresentada no livro é exclusivamente de Juan Rico. Durante o treinamento, o personagem tem discussões com seus pais, que são contra o alistamento, e conversas com os veteranos que tentam explicar o verdadeiro significado de ser um cidadão. Por isso, não é a obra que diz que tal ideologia é a correta, mas o personagem principal. Podemos comparar essa perspectiva e polêmica com Sniper Americano de Clint Eastwood, que sofreu inúmeras críticas que afirmavam que o filme era uma propaganda militarista, sendo que estamos apenas acompanhando a visão de uma pessoa. O julgamento do público sobre determinada perspectiva deve recair sobre o protagonista e não sobre a obra.
Podemos entender o caráter militar da história por meio da própria vida do autor, que foi graduado em 1929 pela Academia Naval norte-americana. O fato do livro ter sido publicado em 1959, ou seja, antes da Guerra do Vietnã, também explica essa exaltação, pois o serviço militar ainda passava uma ideia mais ”romântica” de defesa de sua nação. Mas deixando de lado as questões ideológicas, em termos narrativos, essa experiência de Heinlein no exército ajuda muito nas descrições dos exercícios do treinamento, a relação com outros recrutas, as discussões sobre estratégia militar e as passagens com ação. Há um dinamismo e naturalidade próprios de quem viveu algo semelhante.
O ponto fraco do romance é que não há muito o que oferecer além da questão ideológica e a trama militar. Não nos importamos com os personagens e os picos dramáticos carecem de desenvolvimento. A falta de profundidade com relação à dramaturgia pode até soar estranho quando o comparamos com Estanho Numa Terra Estranha, livro posterior do autor. Mas Tropas Estelares ainda possui seu valor histórico porque, além de provar a versatilidade de Heinlein, é uma das obras fundamentais dentro do subgênero e originou vários elementos que ainda são utilizados por outros autores.
Tropas Estelares vai agradar o leitor que gosta do estilo militar futurista, pois nesse aspecto o romance é sólido. Todavia, aquele que procura uma ficção-científica mais contemplativa e engenhosa pode ficar um pouco frustrado. De qualquer forma, a obra deixou sua marca na história da literatura sci-fi e deve fazer parte do repertório de qualquer fã do gênero.