Jornada nas Estrelas foi e continua sendo um verdadeiro marco para a ficção-científica. A série clássica fundamentou sua base de fãs ao longo do tempo e as aventuras da tripulação da Enterprise, liderada pelo Capitão James Kirk, são lembradas até hoje com carinho e nostalgia. Óbvio que, mais cedo ou mais tarde, esse rico universo se expandiria para além da televisão. Star Trek: Portal do Tempo (Star Trek – Yesterday’s Son) é o primeiro exemplar da trilogia de uma autora que respeita os personagens, criando um bom entretenimento.
Escrito por A. C. Crispin e publicado originalmente em 1983, o livro Portal do Tempo já teve uma edição por aqui em 1992, pela mesma Aleph. Acompanhando o trio clássico formado por Kirk, Spock e Dr. McCoy, eles descobrem que, durante uma missão ao passado, Spock teve um filho no planeta Sarpeidon. A trinca decide então atravessar o Guardião da Eternidade para voltar no tempo e salvar o garoto antes que seu planeta seja destruído pela transformação de sua estrela, Beta Niobe, em nova. Após o resgate, o jovem tenta aprender e se adaptar à Federação e à cultura vulcana, mas essa curva de aprendizagem é rapidamente interrompida quando o planeta onde se encontra o Guardião da Eternidade é invadido pelos romulanos, uma ameaça que pode mudar perigosamente o curso da história.
Para o aproveitamento máximo da obra, é interessante que você, caro leitor, reveja os episódios “A Cidade à Beira da Eternidade“ (primeira temporada) e ”Todos os Nossos Ontens” (terceira temporada), já que eles são a base para os acontecimentos de Portal do Tempo. Quem não se recordar desses episódios, por qualquer motivo, ainda assim consegue acompanhar a leitura sem grandes problemas, pois muitas coisas são explicadas no texto, mas a experiência, evidentemente, não será a mesma.
O ponto forte da narrativa é o enorme respeito pelo material original e – principalmente – seus personagens. Todas as falas e os trejeitos de Spock e McCoy são descritos de maneira muito reconhecível, como se estivéssemos lendo um roteiro de um episódio nunca filmado. Até mesmo alguns diálogos e ações mais ingênuos, típicos do final da década de 60, estão ali. Além disso, a dinâmica entre o médico e o oficial de ciências é elevada a um novo patamar, graças à existência de Zar, o filho de Spock. Com ele presente, McCoy alimenta a esperança de testemunhar o vulcano ter atitudes mais emocionais, mas Spock se mostra firme dentro da doutrina da pura lógica – pelo menos por fora. Essa diferença entre os dois personagens, que circunda a figura de Zar, traz debates e reflexões muito interessantes, ácidas e voláteis entre eles.
O ritmo da leitura é muito agradável e dinâmico. Como na maior parte, seguimos o avanço dos estudos de Zar sobre a Federação e seu processo de adaptação ao estilo vulcano, colocando sempre alguns questionamentos nunca antes desenvolvidos na série. O leitor até consegue perceber as regras daquele mundo através de uma nova perspectiva.
O problema da narrativa de Portal do Tempo começa do segundo para o terceiro ato, quando o foco sai da adaptação de Zar a este novo mundo, dando lugar à ação contra os romulanos que estão invadindo o planeta onde se encontra o Guardião da Eternidade. O medo do Capitão Kirk é que os invasores descubram o funcionamento do Guardião e façam viagens ao passado para alterar a história como conhecemos. A ideia é muito boa, entretanto possui um desenvolvimento apressado e fraco. Se anteriormente o leitor era brindado com aspectos mais conceituais sobre identidade, racionalidade e egoísmo, a partir deste momento segue uma sequência de ação que apenas descreve tiros de phasers e corridas até determinados locais. Ok, a série clássica não era um exemplar no quesito “ação”, só que na literatura não se encontram os mesmos problemas relacionados ao orçamento e atores fora de forma.
Há também uma sensação de que Zar foi sub-utilizado no terço final da obra, com relação às possibilidades mais filosóficas em cima da própria existência do personagem como consequência dos atos da Federação, mais especificamente de Spock.
Star Trek: Portal do Tempo é recomendadíssimo para os fãs do seriado clássico. Crispin consegue entregar uma obra que se destaca da maioria das derivadas de filmes e séries, geralmente ficando muito aquém daquilo que se espera de uma boa literatura. Apesar das falhas, os méritos merecem ser conferidos. É uma boa e rápida diversão, principalmente para aqueles que gostariam de acompanhar mais uma missão da USS Enterprise nos moldes da série clássica, que é – e sempre será – lembrada com merecido carinho.
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