Geralmente, quando falamos de literatura nacional do gênero fantástico, as pessoas acabam torcendo o nariz. É claro que o marketing agressivo somado à legião de fãs, adaptações cinematográficas e espaço privilegiado nos pontos de venda faz com que uma obra estrangeira mais conhecida diminua muito o apelo que uma brasileira pode ter. Felizmente, essa dificuldade não foi o suficiente para impedir que nossos escritores colocassem no papel suas criações. Os Sete, de André Vianco, é uma prova viva de que nossos conterrâneos merecem atenção.
Publicado de maneira independente pelo autor em 2000, com modestos mil exemplares pagos de seu próprio bolso, e no ano seguinte pela Editora Novo Século, Os Sete ganha uma nova edição esse ano pela Editora Aleph.
A narrativa começa quando um caravela portuguesa, com mais de 500 anos, é resgatada de um naufrágio no litoral brasileiro. Dentro dela, os pesquisadores encontram uma misteriosa e enorme caixa de prata com sete cadáveres acusados de praticar bruxaria no passado. Mesmo com as advertências grafadas no objeto recuperado, a equipe do departamento de História da Universidade Soares de Porto Alegre não resiste à tentação e acaba violando a caixa para analisar os corpos. Nada poderia ocorrer de muito grave, certo? Até que o primeiro dos sete acorda.
Talvez, uma das palavras que mais se encaixe ao falar de Os Sete seja inventividade. Estamos mais do que acostumados com histórias sobre vampiros clássicos, com todas suas forças e fraquezas mais ortodoxas, e temos ótimos e péssimos exemplares sobre isso. André Vianco decide mudar um pouco as coisas. Os seres noturnos de Os Sete têm muitas semelhanças com o modelo mais conhecido, como a corriqueira sede de sangue, mas suas diferenças dão um novo gás para esse subgênero do terror.
Os vampiros encontrados, originários do Rio D’Ouro, em Portugal, são Inverno, Acordador, Tempestade, Lobo, Espelho, Gentil e Sétimo. Cada um apresenta poderes diferentes. Inverno por exemplo, que é o primeiro a acordar, tem o poder de congelar tudo à sua volta, já Acordador tem o poder de dar vida aos mortos. Não citarei os poderes dos outros, pois a descoberta de muitos deles são pequenas reviravoltas na trama. Quase como uma espécie de MacGuffin* de Vianco.
*(Termo cunhado por Hitchcock. Trata-se de um elemento sem muita importância, mas que serve de pretexto para avançar a história.)
Essa característica única para cada criatura de Os Sete, além de tornar a história mais interessante do que se todos os vampiros tivessem o mesmo poder, também influencia diretamente na personalidade de cada um, fugindo dos clichês dos sedutores ou descerebrados. Aqui, temos até alguns que são bem simpáticos e amigáveis. Algo que torna prazerosa a leitura de passagens em que os vampiros percorrem o país, tentando entender coisas como o que é um trem do metrô ou prédios gigantescos.
Todavia, toda essa riqueza nos personagens lusitanos sobrenaturais, além de um background muito bem construído para cada um, ressalta um problema que é justamente os protagonistas humanos. Estes não são tão carismáticos e, mesmo que os acontecimentos que os envolvam sejam instigantes, suas personalidades se mostram um pouco mais genéricas. De maneira alguma isso atrapalha o andamento da trama e o prazer da leitura, mas é um ponto importante a ser destacado nessa obra, visto que em outras do autor, como O Senhor da Chuva e até mesmo Sétimo (sequência de Os Sete), essa questão já é melhor resolvida.
Algo que pode incomodar um pouco o leitor são algumas conveniências ao longo da narrativa. Não chegam a ser atalhos forçados para situações impossíveis de roteiro, como Deus Ex Machina, mas ainda assim são uma benção ou castigo do destino. Em contrapartida, outro ponto bem importante a ressaltar é o ritmo de leitura, que é bem agradável e rápido. Vianco consegue dosar muito bem o peso de suas descrições, sem ficar superficial ou pesado demais.
O fato da história se passar no Brasil, em locais e até ruas conhecidas, faz com que a obra ganhe um charme especial para nós, leitores brasileiros. Seria muito cômodo para o autor escrever tudo se passando em uma cidade fictícia ou estrangeira, com receio do público não comprar uma ficção-fantástica onde vampiros estão percorrendo uma avenida conhecida de seu bairro, por exemplo. Isso valoriza e muito a imaginação do leitor, que – provavelmente – reconhecerá a maior parte dos cenários e até pode visualizar tais eventos do livro enquanto vai ao trabalho, caso o caminho seja, por coincidência, um dos cenários importantes para a narrativa.
Os Sete é uma história criativa e cativante. Uma verdadeira prova de que a literatura fantástica nacional tem muito potencial e merece nossa atenção tanto, ou mais, quanto os best-sellers gringos. André Vianco já escreveu diversas obras com mesma competência e é uma importante influência para aqueles brasileiros que desejam ser escritores, não apenas por sua relevância no cenário nacional, mas principalmente por sua biografia. Se ainda não leu, vá atrás. Mas é melhor ir de dia…