É visível que a obra de Robert William Chambers, norte-americano de Nova York, tem gerado maior interesse há algum tempo. Um dos motivos é o sucesso da primeira temporada de True Detective, série da HBO que assumidamente utilizou a mitologia criada por ele. Outro fator é uma procura ainda maior do público leitor por H. P. Lovecraft, cuja obra é relacionada à de Chambers, no sentido deste ter influenciado o outro na criação do conceito de um horror cósmico. O Rei de Amarelo (The King In Yellow) é uma coletânea de dez contos originalmente publicada em 1895, lançada no Brasil em 2014 pela Editora Intrínseca, em uma edição que conta com tradução de Edmundo Barreiros e introdução, mais revisão comentada, do escritor Carlos Orsi.
Os contos, com estranhas ligações indiretas entre eles, desenvolvem-se em um mundo onde uma peça de teatro, que dá nome ao livro, teria o poder de enlouquecer quem a lesse até o final. Sutilmente, as narrativas de Chambers foram construídas de forma que o leitor não saiba quase nada sobre a tal peça, deixando muito desse terror por conta da imaginação. Contextualizando, é oportuno lembrar que a psiquiatria, na época, era uma ciência envolta em mistérios para a maioria das pessoas, algo que contribuiu para o imaginário popular aceitar a loucura causada por um texto. Somado a isso, superstições em volta das causas da insanidade também ajudaram no impacto. Ainda que a interpretação de cada um pese sobre o que realmente se passa ali, é inegável que a impressão causada pela leitura é que o tal Rei, apesar de ser apresentado como uma ficção dentro de outra, está presente o tempo todo.
Dividido em duas partes, o volume brasileiro segue sua edição original. Os quatro primeiros contos – O Reparador de Reputações, A Máscara, No Pátio do Dragão e O Emblema Amarelo – tem citações diretas à peça, sendo de longe os mais interessantes. São seguidos por dois contos de transição, A Demoiselle d’Ys e O Paraíso do Profeta , distanciando-se dos primeiros, mas ainda com o sobrenatural pairando. Os quatro últimos rompem com essa ambientação, o que fez com que fossem ignorados em reedições antigas, onde preferiram substitui-los por contos de terror que Chambers escreveu anteriormente. Ler os originais em sequencia mostra que existe uma coerência no conjunto. A Rua dos Quatro Ventos, A Rua da Primeira Bomba, A Rua de Nossa Senhora dos Campos e Rue Barrée não devem ser deixados de lado pelo leitor, mesmo que seja apenas pela curiosidade, pois são muito bem escritos.
Oportunamente tocando no assunto sobre a suposta influência de Chambers sobre Lovecraft, Orsi já faz questão de esclarecer na introdução que a relação entre O Rei de Amarelo e a Mitologia de Cthulhu é bastante superestimada. Apesar do espaço de décadas entre um e outro, correspondências indicam que o contato só teria ocorrido em 1927, quando o pano de fundo Lovecraftiano já estava estabelecido. Mesmo o Necronomicon, que também enlouquecia seus leitores, teria surgido antes do contato. Similaridades existem, evidentemente, mas, ainda assim, são trabalhos com personalidades muito particulares.
Obrigatório para fãs do terror em geral, de Lovecraft, de True Detective – se ainda não assistiu à série, faça um esforço e leia o livro antes – e qualquer um a fim de uma boa escrita. O Rei de Amarelo intriga o leitor, que vai querer saber mais sobre o mundo deste monarca esfarrapado. Vai procurar sentido em nomes como Hali e Hastur, assim como vai querer, por pura curiosidade mórbida, conhecer a cidade maldita de Carcosa…
O Mar quebra pela orla, vago,
Os sóis gêmeos afundam sob o lago,
As sombras se alongam
Em Carcosa.
Será que é mesmo tão longe daqui?