O Planeta dos Macacos, de Franklin J. Schaffner, clássico filme de ficção-científica de 1968, foi um enorme sucesso, seguido por quatro continuações que criaram um objeto de culto que dura até hoje e gera vários derivados licenciados. Mesmo um reboot fracassado, em 2001, não acabou com o interesse da indústria em explorar novamente o conceito, tanto que uma outra reinvenção, em 2011, mostrou-se lucrativa o bastante para prosseguir com a franquia. A marca está aí, firme no imaginário popular, mas antes que os filmes atingissem o grande público, havia o romance homônimo, escrito pelo francês Pierre Boulle e publicado em 1963.
Nascido em 1912 em Avignon, na França, formou-se em engenharia, trocando essa carreira pela de escritor, não muito tempo depois. Outro de seus livros mais famosos é A Ponte do Rio Kwai, publicado em 1952, cuja adaptação cinematográfica foi comandada por David Lean e ganhou oito Oscars em 1958. O próprio Boulle foi premiado na categoria de melhor roteiro adaptado.
O livro O Planeta dos Macacos começa mostrando um casal que está em cruzeiro no espaço sideral, encontrando uma garrafa com uma mensagem. Ao começarem a leitura , a narrativa muda de terceira para primeira pessoa, revelando que a mensagem é o diário de bordo do astronauta Ulysse Mérou, com a descrição da missão de sua equipe no planeta Soror (“irmã”, em latim), nomeado assim graças a sua semelhança com a Terra e localizado no sistema de Betelgeuse. Chegando lá, os tripulantes começam o reconhecimento do local e não demora muito para que encontrem outros humanos nativos. O problema é que esses humanos agem de maneira selvagem e irracional. Eles sequer conseguem falar. Ulysse e seus companheiros, o Professor Antelle e o médico Levain, acham a situação bizarra, mas não mais estranha do que o próximo evento, quando são capturados por – adivinhem – macacos!
No início, o relato é extremamente científico, abordando até mesmo os efeitos relativísticos da longa viagem interestelar. Tal forma de narrativa, em diários científicos, lembra muito os contos de H. P. Lovecraft, uma literatura que o próprio Boulle dizia consumir, além de Isaac Asimov. O interessante da narrativa é acompanharmos os pensamentos e o raciocínio do protagonista, quando colocado em uma situação extraordinariamente comum, mas invertida! Ulysse é um humano, bípede e racional, mas é tratado como um animal irracional que age, pura e simplesmente, por instinto. Esta é a situação que define a natureza e alegoria da obra.
Em determinados momentos, o próprio protagonista gera uma certa antipatia. Ulysse é orgulhoso e se acha melhor do que os outros, unicamente por ser quem é, um humano de “verdade”. Não são poucos os momentos em que ele se contenta, ao perceber que seus raptores o consideram mais inteligente que os humanos nativos. Satisfação que dura poucos instantes, quando ele se dá conta de sua situação. Além do orgulho, ele também é prepotente, uma característica que vemos claramente no modo como ele trata Nova, uma humana nativa de Soror, com quem acaba tendo relações mais afetuosas. A personagem, muitas vezes, é tratada como se fosse inferior, porém, não no sentido machista, mas dentro da suposta superioridade do protagonista. Esse desconforto é necessário, pois Ulysse representa o ser humano como um todo, transcendendo o personagem. Uma provocação bem interessante.
Em boa parte da história, acompanhamos as tentativas do personagem em provar sua inteligência e se defrontando com o ceticismo da maioria dos macacos. O que mais chama atenção nesse segmento do livro, são justamente os momentos em que o protagonista acaba agindo de maneira selvagem sem perceber. Há momentos em que Ulysse se “humilha” em troca de alguma coisa, como comida, para só depois perceber suas atitudes e recuperar a postura “humana”.
Neste ponto entra uma questão interessante. O livro mostra uma evidente inversão de papéis, mas também aborda a questão da identidade como um conceito circunstancial. Além dos lapsos de selvageria do protagonista, o pilar mais forte deste conceito reside no personagem do Professor Antelle. Em várias passagens, Ulysse fala da grande inteligência do professor, considerando-o o homem mais sábio que já conhecera. Entretanto, quando o protagonista reencontra Antelle preso numa gaiola em um zoológico, percebe que o professor, que antes fora o mais sábio dos sábios, está agindo da mesma maneira irracional e instintiva dos humanos nativos de Soror. O mundo à sua volta e as situações pelas quais o professor Antelle passou, acabaram por modificar sua identidade. Um contra-ponto interessante com Ulysse, que nega que sua identidade seja suprimida pelo ambiente e sempre tenta se afirmar como um ser superior aos outros – sejam eles macacos ou humanos.
O livro O Planeta dos Macacos é de leitura rápida e fluida. Sua narrativa em primeira pessoa possui um ótimo ritmo e gera uma boa dose de suspense. Mesmo assim, carece um pouco de profundidade, ainda que a intenção do autor talvez nem fosse criar um texto mais denso. No campo de gerar reflexões ele é bem-sucedido, através da criação de situação fantástica e surreal, mas o leitor de ficção-científica mais aficionado talvez sinta um pouco a falta de aprofundamento. No caso, a profundidade não está na obra em si, mas em uma inevitável discussão sobre ela.
P.S.: Evitei comparações com o filme de 68, pois trariam mais spoilers do livro. Só adianto que até pouco antes da metade, são bem parecidos, depois tomando rumos bem diferentes. Não tenho preferência no caso, mas ambos funcionam muito bem da maneira como são. As mudanças na adaptação foram necessárias e muito bem feitas. Só não precisavam fazer as continuações.