Sempre que algum autor se arrisca em colocar uma lupa nos aspectos mais sujos de um indivíduo e/ou na sociedade, algo no mínimo instigante aparece. No Sufoco (Choke), escrito pelo norte-americano Chuck Palahniuk (Clube da Luta), é um desses casos.
No livro, acompanhamos os relatos em primeira pessoa do protagonista Victor Mancini, um viciado em sexo que frequenta um grupo de sexólatras e que vive dando golpes em restaurantes chiques da cidade. Esses atos consistem em fingir um engasgo e deixar que uma pessoa o salve. Este bom samaritano, por sua vez, vai se sentir responsável pela vida de Victor, inclusive financeiramente, mandando cheques todo o mês. Em paralelo, o protagonista também visita regularmente sua mãe com Alzheimer, doença que faz com que um aspecto importante – e polêmico – de sua concepção se mantenha em segredo.
Palahniuk nos mostra um protagonista muito inteligente e interessante. Mancini consegue compreender como funciona a mente da massa e utiliza o moralismo infantil das pessoas para aplicar seus golpes. Ele entende que todos querem ser altruístas e heróis, mas que ninguém busca isso ativamente. Por isso, ele cria a circunstância e dá de “presente“ esta oportunidade para o indivíduo ser um herói sem muito esforço e acaba lucrando com esta ilusão.
Outro golpe de Victor é ainda mais incômodo. Sua ida frequente ao grupo de sexólatras não tem como objetivo a cura do vício em sexo, mas sim se aproveitar da fraqueza óbvia das ninfomaníacas que frequentam o local. Felizmente, o autor não utiliza o conteúdo sexual como apelo para sua obra, e sim como uma ferramenta de construção do protagonista que desperta uma antipatia imediata. A questão de colocar o vício em sexo na história se prova muito eficaz, pois é necessário no contexto, para que alguns dos personagens – inclusive o protagonista – não consigam resistir a um instinto tão básico, de modo que toda a cidade pareça um grande zoológico.
Um dos pontos mais altos da obra é a constante mudança de perspectiva da figura de Victor Mancini. Enquanto aplica os golpes financeiros e sexuais, sentimos asco por ele. Porém, durante suas visitas à clínica, onde a mãe com Alzheimer está, o protagonista mostra um lado extremamente altruísta. Nesses momentos, ele é abordado por diversos internos com distúrbios mentais que o acusam de ser o responsável por seus traumas. Ao invés de contestar ou ignorar, Victor assume o papel de vilão da história de vida do interno, e com isso o doente passa a ter uma espécie de alívio, como se resolvesse internamente uma pendência de vida. Esse “sacrifício“ se transforma numa importante ferramenta de suspense na terceira parte do livro, em que o segredo da concepção de Victor deixa em xeque o entendimento de si mesmo.
Em termos de ritmo, a narrativa apresenta alguns problemas. Muitos personagens e situações são desnecessários e nem chegam a apresentar novas questões ou conceitos. Além disso, a estrutura não possui uma progressão muito fluída porque o interesse diminui em determinados momentos. Contudo, talvez o ponto mais fraco seja o próprio começo, em que o autor escreve ao leitor que seria melhor largar o livro porque a leitura vai chocar e muito.
A obra tem sim seus momentos chocantes e incômodos, como diz Chuck Palahniuk, entretanto, essa introdução é bem exagerada, pois as partes mais intensas acabam perdendo a força, já que o leitor acaba esperando algo muito mais perturbador. Sem essa autoafirmação, talvez o livro pudesse ser, de fato, mais impressionante.
No Sufoco é uma obra muito interessante de um autor que merece atenção. É o tipo de literatura que quando você lê, adquire o costume de olhar em volta e pensar se a pessoa que está ao seu lado no metrô, no ônibus ou no trabalho não é similar – ou até pior – aos personagens da ficção.