Neil Gaiman dando um tapa na mitologia nórdica
O nome de um autor famoso sempre pesa, não é mesmo? E quanto maior o sucesso deste, maior é a expectativa, o que – convenhamos – tem um potencial imenso para gerar frustração. Como estamos falando de Neil Gaiman, multipliquemos o risco. Considerando que você aí não esteja a fim integrar nenhuma turba extremista descerebrada, seja do lado do “amei” ou “odiei”, a leitura do recente Mitologia Nórdica (Norse Mythology) é recomendada.
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Necessário dizer que não há nada remotamente similar a Deuses Americanos ou O Oceano No Fim Do Caminho, narrativamente falando. Este talvez seja o ponto no qual os detratores radicais vão agarrar-se. A pegada é muito simples: Gaiman reconta os mitos nórdicos em formato de pequenos contos, em uma ordem coerente até chegar ao Ragnarök, quando o ciclo encerra-se. Em uma comparação distante, mas pertinente, podemos citar Tolkien com A Queda de Artur e A História de Kullervo.
Legal! Agora que você já sabe o que ele fez, cabe perguntar-se qual é o seu grau de interesse no assunto, assim como o alcance do seu conhecimento sobre ele. Gosta da parada? Ótimo. Meio caminho andado. Se, além disso, você não souber muito sobre o panteão escandinavo e suas histórias, Mitologia Nórdica é uma ótima introdução ao tema. Compre já, pois a edição lançada pela editora Intrínseca, com suas 288 páginas, tem um preço acessível (na Amazon, pelo menos).
Correndo o risco de puxar demais o saco de um livro que nem ganhou minha nota máxima, algo que explicarei mais à frente, vou além. Gostaria de ler histórias bacanas para seus filhos em idade de descoberta, que estimulem a imaginação deles e o gosto pelo conhecimento? Eis uma excelente oportunidade. Aliás, para qualquer um apaixonado pela arte de contar histórias, o prefácio do próprio Gaiman é um chamado difícil de ignorar, mesmo que você já seja algo versado no tema. Some isso a uma escrita que proporciona uma leitura rápida e dinâmica e temos uma experiência bastante prazerosa.
Para um público que teve seu primeiro contato com esses personagens através das versões da Marvel*, será interessante conhecer os originais nesta reorganização. Nem é preciso preocupar-se com grandes liberdades tomadas pelo autor, já que não há afastamento da essência neste trabalho, apenas alterações unicamente em favor da fluidez, mantendo as características de cada uma dessas divindades, coadjuvantes e eventos.
*(Aliás, se ainda não leu O Carniceiro dos Deuses e Bomba Divina, faça-o logo…)
Estão lá o nascimento de Odin e sua busca por sabedoria, o surgimento de Asgard e os outros reinos, como o pouco inteligente Thor adquiriu seu martelo e os tantos Gigantes que matou, os problemas criados pelas tramoias de Loki e muitas outras histórias. Quando terminamos o capítulo do Ragnarök , Mitologia Nórdica inspira seu leitor além da satisfação que ler um bom livro traz. Quem tiver pretensões criativas vai se sentir estimulado de alguma forma.
Uma grana fácil para o autor
Justificando a nota atribuída, apesar de muito divertido e movimentado, arrancando sorrisos por toda narrativa, estamos falando de uma obra que já estava pronta. É exatamente esse caráter de reciclagem que não pode ser ignorado. Mesmo que absolutamente tudo ali seja novidade para o leitor, esse fator pesa na avaliação.
Se ainda levarmos em conta que veio de alguém que sabemos já pesquisar e utilizar esse conhecimento há décadas, explicando no prefácio que é algo do coração desde criança, até começamos a refletir sobre os motivos da empreitada. Nada contra essa iniciativa, mas é evidente que Mitologia Nórdica foi escrito com uma mão (e um pé) nas costas, o que torna inevitável a imagem dos editores pedindo um livro novo em um prazo apertado. Plausível, não?
Claro que nada disso apaga os méritos, só a deixa como uma obra menor do autor. Mesmo assim, se você se deu ao trabalho de ler esta resenha até aqui, suponho que seu interesse no tema seja, no mínimo, razoável. Portanto, não há motivo para não ler. Então, nada melhor do que encerrar com as palavras do próprio Neil Gaiman:
Leia as histórias deste livro, depois se aproprie delas e, em uma noite gelada de inverno – ou em uma noite de verão em que parece que o sol não vai se pôr nunca -, conte a seus amigos o que aconteceu quando o martelo de Thor foi roubado, ou como Odin obteve o hidromel da poesia para os deuses…