As várias faces de Alan Moore investigadas por Lance Parkin
É bem comum encontrar declarações polêmicas de Alan Moore pela internet. Um dia é uma alfinetada na indústria dos Quadrinhos, no outro é uma queixa raivosa contra Hollywood e por aí vai. Ninguém discorda de sua importância na Nona Arte, mas alguns se incomodam com sua postura virulenta contra os bastidores do que se convencionou chamar de cultura pop. Porém, como seus personagens, Moore tem inúmeras camadas e sua biografia Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore (Magic Words: The Extraordinary Life of Alan Moore) busca trazer isso à tona e provocar seus leitores a refletir sobre essa figura ímpar.
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Escrito por Lance Parkin, escritor também britânico e conhecido por seus trabalhos como roteirista na TV inglesa, Mago das Palavras, já é bom esclarecer, é um trabalho autorizado pelo seu biografado. A boa notícia é que não é um texto chapa branca feito por um camarada. Parkin vai fundo e usa cerca de 400 páginas com muito mais do que apenas mapear a trajetória profissional deste nativo de Northampton, que ainda habita a mesma pequena cidade natal e tem um relacionamento peculiar com ela.
Originalmente lançado em 2013, ganhando edição em português pela Marsupial três anos depois, o livro investiga também o relacionamento de Alan Moore com os vários desenhistas e editores com quem trabalhou. Evidente que uma personalidade como a dele colecionou tanto desafetos quanto amizades sólidas, algo que o autor faz questão de deixar claro, nunca se posicionando a favor de nenhum dos lados, mas, às vezes, trazendo as duas versões do mesmo caso para o público.
Falando em versões contrastantes, em seus depoimentos para o livro, o próprio Moore faz questão de estimular o público ao questionamento. Principalmente no que diz respeito à Magia do Caos*, prática da qual ele se diz adepto desde 1993, quando completou 40 anos, assim como sua adoração a uma divindade serpente chamada Glycon. É exatamente isso que dá um tom bastante peculiar à obra, pois a relativa cumplicidade entre biógrafo e biografado cria um texto que expõe lados e mais lados de uma das mentes mais criativas a surgir no meio da arte sequencial, mas não se atreve em momento algum a entregar conclusões mastigadas.
*(Caso esse não lhe seja um assunto muito familiar, confira esta entrevista, que traz essa e muitas outras curiosidades)
Nos detalhes mais, digamos, mundanos, essa orientação se mantém, uma vez que sua famosa briga com a DC também é colocada em pormenores, algo que começa a partir do sucesso de Watchmen. Len Wein e outros tiveram a oportunidade de se posicionar a favor da editora, alegando exagero e estrelismo da parte de Moore, o que faz o próprio Parkin questionar certas atitudes da parte de seu objeto de estudo.
Muito material para explodir a cabeça
Se a já citada Watchmen merece um espaço considerável por ter pego o mercado de surpresa, ela também tem vários aspectos narrativos esmiuçados nas páginas de Mago das Palavras. São insights valiosíssimos e indagações propostas para, de fato, trazer algum conteúdo novo para quem já é fã de longa data dos trabalhos do roteirista britânico.
E não só isso. V de Vingança também tem bastante espaço para discussão de seus conceitos, principalmente pela sua concepção original em preto e branco, ainda na revista britânica Warrior. A mudança de rumo na carreira com Do Inferno, afastando-se mais do mainstream que o consagrou, e as obsessões em relação ao conceito temporal da Quarta Dimensão, também são devidamente expostos.
Além das idas e vindas nos Quadrinhos, com a linha ABC e Lost Girls, existe um capítulo dedicado somente às adaptações de suas obras para o Cinema. São situações que revelam que não se trata simplesmente de um hipócrita que ganha dinheiro e cospe no prato em que come, mas alguém que manobra a própria indústria na intenção de premiar os artistas com quem trabalha, profissionais com muito menos destaque do que ele. A história de Eddie Campbell, desenhista do já citado Do Inferno, ilustra perfeitamente isso.
Pelo seu ano de publicação original, Mago das Palavras termina com a escrita de Jerusalem ainda em curso. De lá para cá, o ambicioso romance já saiu e Moore confirma sua aposentadoria dos Quadrinhos. Até aqui, não há muito a acrescentar ao livro de Parkin, o que o afasta do rótulo de defasado. No fim, o importante é que a carga massiva de informações da vida pessoal e profissional foi colocado ali de forma dinâmica, aguçando mais e mais a curiosidade de qualquer pessoa minimamente interessada em HQ’s.
Bem distante de ser uma biografia esquemática e previsível, Mago das Palavras: A Vida Extraordinária de Alan Moore também nos proporciona um passeio entusiasmado pela cabeça (algumas áreas, pelo menos) do homem que puxou a chamada Invasão Britânica. De uma forma quase metalinguística, o retrato da vida deste cavalheiro de Northampton se confunde com sua obra, já que não existe – e não existirá – unanimidade sobre quem ele é de verdade.
P.S.: A edição brasileira tem problemas de revisão, mas nem isso é o bastante para negar-lhe a nota máxima.