Um dos maiores contistas japoneses, Ryunosoke Akutagawa impressiona por sua forma narrativa em Rashômon e Outros Textos
Por mais breve que seja a carreira de um escritor, é um tanto triste ser lembrado por um único trabalho. O japonês Ryunosoke Akutagawa suicidou-se aos 35 anos, mas deixou uma série de contos que marcaram para sempre a literatura de seu país natal e é objeto de estudo até hoje. Já para as bandas do Ocidente, o autor costuma ser lembrado por um único trabalho. E a culpa é toda do cinema. Quando o cineasta Akira Kurosawa parou o Festival de Veneza em 1951 por conta de Rashomon, o filme, era provável que nenhum dos espectadores soubesse da existência das linhas bem estruturadas e mágicas de Akutagawa ou mesmo do apreço do cinema japonês por ele. Se a desculpa para aqueles tempos era a de quase não existirem traduções de autores nipônicos por aqui, ela já não cola mais desde 2008, quando a editora Hedra lançou Rashômon e Outros Contos.
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A coletânea, que reúne dez contos, abrange várias fases da escrita de Akutagawa, começando pelo famoso Rashômon. O título faz referência ao portal que, na era Heian (794-1192), marcava a entrada principal da hoje cidade de Kioto, então capital do Japão. Informações como essa são importantes para uma compreensão mais abrangente das histórias e a tradução de Madalena Hashimoto Cordaro e Junko Ota investe em muitas notas de rodapé, além de uma introdução impecável sobre a importância do autor e seu estilo único.
Por falar em estilo, é ele quem salta primeiro aos olhos do leitor. Mesmo seus contos com temática cristã, com destaque para O Mártir, preocupam-se com a construção das frases mais do que com a crítica social, apesar de não deixar de lado as bandeiras levantadas pelo autor. A cultura de Tóquio e a abertura para o Ocidente ocorrida na Era Meiji, presentes nos ótimos Terra Morta e O Baile, deixam claro os primeiros passos de Akutagawa no realismo fantástico. Só não espere os devaneios ao gosto latino americano do gênero. Aqui, a fantasia é singela, mas nem por isso menos encantadora.
A vida em contos
Óbvio que, desde os primeiros parágrafos, é o conto Rashômon quem mais conquista que tem o exemplar diante dos olhos. Mesmo que a versão cinematográfica tenha muito pouco da história levada para as telas (há mais elementos de outro conto presente no livro, Dentro do Bosque, no filme de Kurosawa), é impossível interromper a leitura e não imaginar a chuva torrencial que inunda o portal e serve de pano de fundo para a história. Akutagawa sabia como poucos escolher as frases para prender o leitor. É hipnótico, delicado e preciso em cada etapa da trama.
Todo o arrebatamento das primeiras páginas são uma preparação para a parte final, onde os contos de inspiração biográfica expõe um homem triste com a própria existência e a situação de seu país. Há um aroma de Dostoiévski e Proust em Passagens do Caderno de Notas de Yasukichi e A Vida de Um Idiota. Mesmo utilizando os próprios dilemas para criar e com uma emoção mais forte que o comum nesses escritos derradeiros, Akutagawa não perde a dedicação à estrutura. Cada frase é um bálsamo para quem acredita que,não apenas o significado, mas a forma das palavras têm a sua beleza e o seu peso dentro de uma história.
Em 2011, foi lançado no Brasil Kappa e o Levante Imaginário, pela editora Estação Liberdade, cujo título refere-se a uma das poucas novelas de Akutagawa e sua mais bem acabada aventura na ficção científica. Admirador de H.G Wells, ele deixa a imaginação falar mais alto, sem esquecer de seu domínio da plástica das frases. Mas a edição de bolso de Rashômon e Outros Contos continua uma chave poderosa para o portal literário e inebriante de Akutagawa.