Criadores, criaturas e leitores se misturam na Livraria Limítrofe
Imagino que alguém que pare para conferir uma resenha de qualquer livro, como esta mesmo, independente do gênero da obra, tenha algo de especial. Correndo o risco de parecer um bajulador barato para fazê-lo(a) ler estas linhas até o final, insisto que seu apreço pela leitura faz de você uma pessoa mais feliz, não importando como está se sentindo neste exato momento. O motivo da minha afirmação é simples; apenas quem já perdeu a noção do tempo em qualquer narrativa, com a imaginação capturada pela destreza do autor, sabe como esse prazer é especial e o quanto ele é viciante, porém sadio. Alfer Medeiros sabe tão bem como isso funciona que seu Livraria Limítrofe – O Adeus é exatamente sobre esse conceito.
Com sua primeira edição em 2012, o livro faz parte do selo Fantas da editora Estronho. Segundo trabalho de Alfer na literatura fantástica, depois de Fúria Lupina – Brasil, aqui ele se dá muito melhor com as situações do dia-a-dia de um local bastante atrativo para nós. Quando falo “nós”, eu só poderia estar me referindo aos leitores vorazes e fãs da literatura de ficção em geral. Não importa se é sci-fi , fantasia, terror, policial ou mesmo HQ’s de super-heróis. Tudo bem, mas por que esse tal lugar seria atrativo?
A Livraria Limítrofe é um local cuja localização se manifesta em lugares inusitados, quando as pessoas menos esperam. Uma vez ali dentro, qualquer um que já viajou nas páginas de seus autores preferidos tem a chance de viver uma experiência real, através de construtos de sua própria imaginação. Sabe aquela pessoa que você certamente conhece, que não gosta de ler muito e, às vezes, até desdenha esse hábito dos outros? Bem, alguém assim não teria muito para ver nas dependências da Livraria. Eu não disse que você era especial?
Funcionando como uma dimensão à parte e brincando com a nossa noção de tempo quando envolvidos com um bom livro, o autor nos brinda com inúmeras referências do mundo literário fantástico. Entre contos curtos onde cada protagonista é um tipo diferente, são centenas de aparições, entre criaturas e criadores, que fazem a alegria do leitor mais escolado. Cada trecho estimula a curiosidade pelo próximo, revelando também, aos poucos, como funciona a Livraria Limítrofe e como seu encarregado trabalha com seus instrumentos mágicos de trabalho.
Leve e fluido
Livraria Limítrofe – O Adeus tem esse subtítulo por conta da situação do idoso casal que tem a função de administrá-la. Alfer utiliza essa condição deles, próximos da aposentadoria e à procura de um substituto, para criar um tipo de metalinguagem muito divertida e singela. Difícil não deixar-se envolver por essa leveza, com algumas situações emocionantes, que tem dinamismo e frescor para um público mais jovem, apesar da quantidade de citações. Pode muito bem servir para os mais novos descobrirem mais e mais sobre o mundo da literatura.
A influência de Neil Gaiman é inegável, assim como também lembra o clássico A História Sem Fim, tanto o livro como o filme. O detalhismo na descrição dos cenários e dos equipamentos do Livreiro ajuda bastante na imersão do leitor, mantendo-se na medida para não atrapalhar a fluidez dos pequenos contos. Pode-se dizer também que lembra uma episódio de Além da Imaginação, com a diferença do espaço maior para o desenvolvimento da proposta. Melhor dizendo, por todo esse caráter de sonho e imaginação, talvez o velho seriado Histórias Maravilhosas, que tinha Spielberg entre seus criadores, seja o que tem mais a ver com a Livraria Limítrofe.
Simples em sua proposta, mas carregando qualidades proporcionais aos sentimentos de cada leitor pelo hábito em si, Livraria Limítrofe – O Adeus atinge seu objetivo. Os diálogos poderiam ser melhores em alguns trechos, mas não é algo que comprometa o envolvimento com a obra. Falando em hábito e envolvimento, é mais que evidente que Alfer Medeiros nutre um amor incondicional pelos elementos que compõem esse mundo, fruto de uma vida consumindo os autores citados por ele. Mais do que isso, o prazer que ele sentiu ao escrever parece também vir impresso nestas páginas.
Com todas essas qualidades em um projeto gráfico bem desenvolvido, dentro de um universo que abre tantas possibilidades, que venha o próximo volume. Pelo visto, disposição e inspiração é o que não falta ao autor.