Hoje é muito mais fácil encontrar gente que assume seu interesse em comics, o termo que designa as histórias em quadrinhos da terra do Tio Sam. Excluindo os “especialistas” de ocasião, que só revelam seu personagem favorito desde criancinha quando este tem um filme anunciado, os fãs novos ou velhos carecem de material em português para se aprofundar na história deste império construído nas costas dos super-heróis uniformizados, descobrindo o “como” e os “porquês” de um estouro ocorrido há quase oitenta anos, assim como os altos e baixos ao longo destas décadas.
A eventual curiosidade fica ainda mais difícil de ser saciada, uma vez que uma das obras indispensáveis sobre o assunto se encontra hoje esgotada por aqui. Homens do Amanhã (Men of Tomorrow) foi escrito por Gerard Jones e lançado originalmente em 2004, ganhando sua edição brasileira dois anos depois pela Conrad. Em um momento como esse, é um mistério a ausência de uma nova edição disponível, mas para os interessados, vale a procura no mercado de livros usados. Jones é um ex roteirista de HQ’s, com passagens pela Marvel e pela DC, e sua pesquisa montou um panorama bastante abrangente do surgimento deste segmento milionário, subestimado na maior parte de sua existência . Ao lado de Marvel Comics: A História Secreta, de Sean Howe, forma uma dobradinha obrigatória na estante do fã mais cabeçudo.
Como no livro de Howe, o relato não é dos mais glamourosos ou lisonjeiros, afinal, essa é uma história iniciada durante a Grande Depressão, em negociatas fechadas em mesas de jogo e outros lugares pouco respeitáveis. O próprio subtítulo da obra (Geeks, gângsteres e o nascimento dos gibis) já nos dá essa ideia, ainda estimulando uma reflexão oportuna sobre o termo “geek”. O autor nos mostra como – bem antes desta palavra definir ou rotular qualquer pessoa – Harry Donenfeld e Jack Liebowitz assumiram o controle da National Allied Publications, que viria a se tornar a DC Comics, e como uma turma de consumidores de ficção científica e aventura dos pulps, com fanzineiros entre o grupo, compôs a primeira geração de criadores e mão de obra na explosão dos super-heróis. A história dos dois rapazes de Cleveland e o sucesso de seu Superman, criado em 1938, não é apenas o pontapé inicial da chamada Era de Ouro, mas também um caso de abuso, exploração e assédio moral.
Mesmo descontando esse evento específico e seus desdobramentos diretos, existe uma quantidade enorme de pequenas histórias interligadas, muitas delas divertidas e descontraídas, conferindo uma leveza bem vinda ao relato. É de se duvidar que algum fã de HQ’s o leia pela primeira vez e não esboce um sorriso – no mínimo – ao descobrir um caso em que Jack Kirby, trabalhando para Will Eisner, tentou intimidar um capanga da máfia para agradar o patrão. A relação dos quadrinhos com o crime, naquele momento, também é algo que merece atenção, já que são detalhes um tanto deixados de lado, quando se fala na criação daquilo que viria a ser parte de um império de comunicações, pelo menos em relação às duas maiores editoras do ramo.
Claro que a ressaca pós Segunda Guerra, que quase derrubou os ícones do fim da década anterior, assim como a perseguição inflamada pelo Dr. Fredric Wertham, com seu livro A Sedução do Inocente e o prejuízos gerados por ele, também estão ali descritos. Em meio a isso e tantas outras figuras evidentemente importantes, como Bob Kane, Stan Lee, Mort Weisinger e os já citados Will Eisner e Jack Kirby, o caso de Jerry Siegel e Joe Shuster acaba ganhando uma aura de protagonismo nesta história. Não que o texto se ocupe excessivamente deles e esqueça outros, mas as agruras de uma injustiça histórica e o relato de uma luta inglória por um reconhecimento merecido têm muito apelo, principalmente quando lembramos que o estopim de tudo é a criação do Superman. Mesmo sem sentimentalismo ou julgamento da parte do autor, é difícil acompanhar a isso tudo com distanciamento emocional.
A saga destes pioneiros da indústria é mais do que relevante hoje em dia, um momento em que os super-heróis desfrutam de uma popularidade inédita, graças às suas adaptações cinematográficas. Não sabemos até quando essas criações serão consideradas viáveis para o cinema e outras mídias, mas independente de qualquer coisa, Homens do Amanhã continuará indispensável para quem se interessar em entender um fenômeno cultural dessa magnitude. Aliás, para especular sobre o futuro, é preciso conhecer bem o passado. Neste caso, Gerard Jones fez um favor a quem estiver disposto a arriscar um palpite.
Já que falamos da criação do Superman, que tal conhecer – ou rever – o curta This is Joe?