O que você faria caso já estivesse com mais de 70 anos e lhe fosse dada a oportunidade de ter uma “segunda vida” servindo ao exército? Provavelmente, você se perguntaria como que nessa idade avançada seu corpo e sua mente podem ser úteis para essa instituição que requer justamente o melhor condicionamento físico e mental dos recrutas. E afinal, por que só é permitido se alistar com 75 anos? Essa dúvida é o gatilho instigante de Guerra do Velho (Old Man’s War).
Escrito por John Scalzi e publicado originalmente em 2005, Guerra do Velho é uma aventura de ficção científica moderna, ágil e bem humorada. O livro rendeu ao autor o prêmio John W. Campbell de Melhor Escritor Estreante e chega ao Brasil esse ano pela Editora Aleph.
A história se ambienta em um futuro em que a humanidade tem a capacidade de realizar viagens interestelares e com isso colonizar novos planetas. O problema é que há outras raças alienígenas que também disputam esses territórios. Para proteger a Terra e conquistar novas colônias, foi criado um exército chamado de Forças Coloniais de Defesa (FCD), que conta com tecnologia de ponta e soldados com habilidades sobre-humanas, onde para se alistar é necessário ter mais de 75 anos. O protagonista, John Perry, aceita a empreitada e se torna nossos olhos durante a aventura dentro das FCD.
Uma das principais coisas que um fã de ficção científica espera de uma obra do gênero é ficar instigado, tentando bolar teorias em cima das pistas fornecidas ao longo da narrativa. Nesse ponto, a questão que o leitor se faz ao ler a fala em caixa alta na contracapa do livro – como alguém com 75 anos pode se alistar no exército? – é um ótimo motivo para continuar virando as páginas. Principalmente porque mesmo que a expectativa de vida aumente com o decorrer do tempo, os senhores e senhoras de 75 em Guerra do Velho estão nas mesmas condições que nossos avós nesta idade. Como eles podem participar do exército? Há um processo de rejuvenescimento? Algum tipo de exoesqueleto? Troca de partes biológicas por partes mecânicas?
Obviamente não darei o spoiler sobre isso, mas todo o caminhar até essa primeira revelação é uma dúvida do próprio protagonista que, assim como todos os outros humanos que vivem na Terra, não sabe exatamente como as coisas funcionam nas FCD. A escrita em primeira pessoa serve como um guia para o leitor nesse novo universo e suas regras, que gera um bom ritmo e um didatismo compreensivo.
Já no exército, começamos a notar a estrutura básica da aventura no estilo sci-fi militar, começando pelo treinamento com um instrutor casca grossa, batalhas com outras raças alienígenas e o protagonista demonstrando que tem valor e um quê a mais perante outros soldados – isso não é um spoiler, é simplesmente uma estrutura já largamente utilizada. Essa previsibilidade deixa a leitura menos interessante, pois inúmeras outras obras do subgênero seguem o mesmo padrão, e se você por ventura teve um déjà vu de Tropas Estelares de Robert A. Heinlein, saiba que o próprio John Scalzi confessa a inspiração nos agradecimentos ao final da obra.
Felizmente, a obra Guerra do Velho apresenta muito mais elementos além das batalhas interestelares – que são muito bem descritas por sinal. As novas tecnologias, como o BrainPal, um computador que fica dentro do cérebro dos soldados, geram momentos dramáticos interessantes e que fogem do comum, dando um toque muito particular a esse universo. O autor consegue se utilizar muito bem desses novos apetrechos, enriquecendo a narrativa com pequenas curvas dramáticas que vão reabastecendo o gás da leitura.
Além de todos os atrativos que esse mundo oferece, na questão das novas tecnologias e raças alienígenas, o protagonista John Perry e seus novos colegas também têm questionamentos e discussões sobre seu novo status quo. Suas atitudes e pensamentos são uma base interessante para debates, afinal, estamos falando de pessoas que já tiveram, praticamente, uma vida inteira e agora vão iniciar outra totalmente diferente. Temas como sexualidade, maturidade, responsabilidade, entre outros, são colocados em pauta de maneira fluida e orgânica, sem apelar muito para debates já manjados – salvo um ou outro momento. Inclusive a própria discussão militarista – com relação à moral das investidas das FCD – está presente.
Essas assuntos conseguem chamar atenção o suficiente para relevarmos algumas subtramas, colocadas às presas durante o terceiro ato, que iniciam uma curva dramática mais pessoal para o protagonista. Talvez incomode aquele leitor mais interessado na estrutura narrativa do que nos elementos apresentados desse universo.
Os equívocos da obra aparecem quando o autor tenta colocar o humor em determinados momentos, soando muito forçado, seja pelo fato de não haver a construção necessária para a descontração ou simplesmente por não condizer com o personagem. É notável que Scalzi utilizou de alguns desses elementos para agradar a um grande público de primeira, só que olhando melhor, percebemos que possui um grau apelativo. Nada que comprometa a história como um todo, mas ainda assim não deixa de ser um “agradar custe o que custar”.
Outro problema de Guerra do Velho acontece quando Scalzi tenta explicar algumas coisas através de física quântica. No caso, ele foge de explicações mais técnicas colocando na boca de um personagem, que é físico, a desculpa de que “vocês não entenderiam a matemática” para os outros recrutas. Porém, na verdade, é um pretexto do próprio autor, que pelo visto entendeu errado algumas explicações sobre o tema – ou pesquisou muito pouco – e acabou colocando algumas falácias como fatos científicos. Sim, é uma obra de FICÇÃO científica e por isso não tem a obrigação de estar correta, entretanto, o modo como isso é colocado é claramente uma tentativa muito equivocada de usar a física quântica como validação, sem – ao menos – existir essa necessidade em termos narrativos. Ou então, podemos considerar até mesmo uma tentativa de elevar a obra a outro patamar. Todavia, felizmente, isso se restringe a um momento curto, não contaminando o restante da obra, mas deixa um gosto amargo na boca.
Com batalhas entre humanos e alienígenas, viagens interestelares, novas tecnologias, bom humor e dinamismo, Guerra do Velho é uma ótima e rápida diversão. Seu universo chama a atenção, é instigante e cheio de possibilidades transmídias. Possui seus equívocos e carece de maior profundidade para o leitor que gosta de algo mais denso, mas por se tratar de um livro mais pop, cumpre bem o seu papel e gera um pouco de curiosidade sobre suas continuações. Lembre-se: eu disse “um pouco”…