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Futuro Proibido e outras lacunas editoriais!

O leitor voraz de ficção científica/fantasia tem hoje a oportunidade de se esbaldar na variedade de títulos disponíveis, vivendo uma situação que beira uma utopia quando comparada com o que havia aqui há cerca de quinze anos, principalmente levando em conta a qualidade das edições daquela época e anteriormente. Independente das oscilações econômicas da nossa terra, o mercado vem se sustentando muito bem e o fã tem acesso a muitos clássicos e novidades do segmento, que normalmente ganham nova edição após esgotarem. Claro que isso é ótimo, no entanto, ainda existe muito a ser explorado e descoberto pelo público brasileiro dentro deste gênero, mas que permanece ausente, ou quase isso, das nossas livrarias. Para puxar esta conversa, nada melhor do que falar um pouco sobre uma coletânea de contos incomuns, evidentemente esgotada hoje, que merece uma nova edição urgente.

Futuro Proibido

Futuro Proibido foi publicado pela Conrad em 2003. É a versão nacional de uma antologia de ficção científica publicada originalmente em 1989, organizada pela revista Semiotext(e). Este periódico independente, fundado em 1974, tem uma gama temática abrangente, como ficção, não-ficção, filosofia e crítica de arte, entre outros tópicos, evidenciando um caráter anárquico e de vanguarda que tem, absolutamente, tudo a ver com a pegada da literatura sci-fi (se a curiosidade bateu, acesse o site oficial). No caso específico desta coletânea, a ideia parece ter sido extrapolar dentro de um contexto onde a extrapolação sempre foi regra, logo, foram escolhidas histórias que acabaram rejeitadas por outras publicações. Óbvio que o problema não era a falta de qualidade, mas a ousadia um pouco além do que os editores estavam então acostumados.

O leitor que já acessa este espaço regularmente pode agora estar perguntando-se: “Isso é uma resenha? Parece, mas cadê a nota?”. Brincando com o conceito da dualidade quântica e as probabilidades do mundo subatômico, a resposta número 1 é Sim e Não. Evidente que as próximas linhas se ocuparão um pouco do que essa edição tem de especial e por qual motivo você deveria caçá-la o mais rápido possível nos sebos da vida, só que através disso é que chegaremos ao ponto de algumas coisas que ainda faltam em nosso mercado editorial. Respondendo a questão número 2, me permito abster-me de atribuir uma classificação numérica a um livro que conta com textos de Bruce Sterling, William Gibson, Sol Yurick (escritor de Warriors), William Burroughs, J. G. Ballard e outros nomes de peso menos conhecidos por aqui, pois apenas essa relação parcial de autores já grita nas entrelinhas.

Futuro Proibido

A edição especial Semiotext(e) SF, que deu origem a Futuro Proibido no Brasil!

Em Futuro Proibido, a fronteira entre a ficção científica e um tipo particular de literatura subversiva – dificilmente classificável sem um neologismo criado às pressas – está completamente embaçada. Na verdade, talvez seja tudo a mesma coisa e a sensação de termos algo fora do comum nas mãos já começa no índice, quando conferimos alguns títulos surreais, tais como: Eu Fui Uma Engenheira Genética Adolescente, Parâmetros de Projeto em Cherry Valley (pelos Testículos), Parasita Cerebral do Chapéu Hippie, O Pênis Frankenstein e outros mais ou menos nesta linha. Contando com ilustrações , algumas utilizando colagem, destaca-se a participação de Mike Saenz, de quem os fãs mais velhos da Marvel se lembrarão como autor daquela graphic novel do Homem de Ferro produzida em computador, Crash, lançada no Brasil em 1988.

Falando agora sobre alguns nomes de menor evidência que integram a edição, Robert Anton Wilson (1932 – 2007) é alguém que merece atenção. Também referido como RAW, é uma figura, no mínimo, interessante, já que – além de escritor – foi professor, psicólogo futurista, teórico da conspiração, editor na Playboy e “Papa” do Discordianismo, um título que os próprios devotos conferiram a ele.

Futuro Proibido

Robert Anton Wilson

Sua obra de ficção, as trilogias Illuminatus! (com Robert Shea) e Schröedinger’s Cat, se mantém inédita por aqui, deixando o autor restrito ao balaio do esotérico/auto-ajuda.  Ainda que seja difícil encaixar livros como Ascensão de Prometeu ou A Nova Inquisição, entre outros atualmente no catálogo da editora Madras, em outra seção, essa classificação é um tanto rasteira. Tudo bem que é compreensível que qualquer leitor, em uma primeira olhada rápida, ache estranha e picareta essa mistura proposta por RAW, com Leary, Crowley, física quântica, psicologia e outros ingredientes, mas a apresentação de sua proposta é muito interessante. Vale conhecer e os fãs de Philip K. Dick vão se interessar um pouquinho mais.

Abaixo, veja um pouco do que o cara tinha a dizer:

O próximo escritor tem menos sorte ainda, já que é um completo estranho em nosso mercado, exceto pelo seu conto presente na coletânea. Além da ficção, tem um vasto trabalho como divulgador científico, e ainda foi um dos organizadores de Futuro Proibido ao lado de RAW e do anarquista Peter Lamborn Wilson. O matemático Rudy Rucker pode se gabar de fazer parte da primeira geração do cyberpunk, ao lado de William Gibson. Sua tetralogia Ware teve os dois primeiros volumes agraciados com o prêmio PKD. Destacando seu trabalho de não-ficção, o livro The Fourth Dimension (1984) fez parte da pesquisa de Alan Moore enquanto trabalhava em Do Inferno*, informação facilmente encontrada nos apêndices da HQ. Recomendação de porte essa!

*(A HQ também foi tema de um episódio do nosso videocast!)

Futuro Proibido

Rudy Rucker

Sem menosprezar os outros colaboradores, o último cavalheiro da antologia que eu gostaria de citar é o autor do livro The Space Vampires, que deu origem ao filme Força Sinistra, dirigido por Tobe Hooper em 1985. Colin Wilson (1931-2013) é outra personalidade de respeito no mundo das Letras, pois, além de ficção científica/terror, sua obra inclui true crime, biografias, religião, psicologia e filosofia. Sua contribuição aqui é um pequeno ensaio, não menos intrigante por isso, onde relacionou as experiências de pico, conceito formulado pelo psiquiatra Abraham Maslow, com a teoria do campo mórfico proposta pelo biólogo Rupert Sheldrake. Era um entusiasta do potencial humano, característica que o texto deixa bastante evidente e aguça a curiosidade do leitor. Atualmente com apenas um livro em catálogo no Brasil, Superconsciência (também da Madras) é outro caso que faz o desavisado intuir que se trata apenas de mais um escritor de auto-ajuda.

Futuro Proibido

Colin Wilson

Se você interessou-se de verdade pela edição da Conrad, um detalhe desagradável é que o plano de lançar um segundo volume não se concretizou, mas não se preocupe com isso, pois não há histórias ou ensaios com continuações pendentes. Ainda que as coisas hoje sejam bem diferentes, Futuro Proibido fez parte de uma leva fantástica de títulos desta editora, que incluiu temas diversos como rock e política, mostrando uma diretriz editorial de manter-se bem longe do lugar-comum, espírito presente desde os tempos da revista General, publicada entre 1993 e 94.

A Semiotext(e) realizou um grande feito, mas isso só apareceu por aqui graças a uma editora sintonizada e comprometida com essa proposta, ou – pelo menos – queremos acreditar que era esse o caso até determinado ponto. Infelizmente, o cenário parece que vem piorando para um lado mais transgressor desta literatura, não importando se são autores em atividade há bastante tempo ou surgidos mais recentemente. A própria Conrad e a finada editora Tarja já investiram no segmento New Weird, com a última publicando Rei Rato (King Rat), da estrela China Miéville. Aliás, esta subcategoria sci fi parece manter-se representada por aqui pelo nome dele (já leu A Cidade & A Cidade?), graças à editora Boitempo . Pouco, mas melhor do que nada.

Futuro Proibido

Poul Anderson (acima) e Tim Powers! Duas gerações sumidas por aqui!

Os mundos esquisitos – bem distantes da hard science – criados por Tim Powers em Os Portais de Anúbis (The Anubis Gates) e O Palácio dos Pervertidos (Dinner at Deviant’s Palace) já tiveram vez por aqui, lançados pela editora 34, mas hoje o interessado nesta obras só pode contar com o mercado de usados. Em outros casos mais isolados, também temos representantes da Era de Ouro da ficção científica desaparecidos das livrarias, como é o caso do premiadíssimo e prolífico Poul Anderson (1926-2001), cujo trabalho no gênero de fantasia é também notável. The Broken Sword (1954) é uma referência no segmento.

Existem outros exemplos, mas evitando alongar demais o o assunto, finalizamos a lista com dois membros da New Wave britânica na década de 1960. Brian Aldiss, autor do conto que inspirou o filme Inteligência Artificial, ideia de Kubrick realizada por Spielberg, é outro sumido do catálogo das editoras brasileiras, mesmo tendo passado pela Companhia das Letras na ocasião do lançamento da produção cinematográfica. Um de seus contemporâneos tem uma série saindo por aqui atualmente, mas só o primeiro livro foi publicado até agora. Michael Moorcock* tem mais de cem obras no currículo, com muita ficção científica, fantasia e trabalhos que misturam os dois, mas apenas sua criação mais famosa, Elric de Melniboné, é que deu as caras no Brasil. Esse é um caso bem mais difícil de explicar, já que ele – além de ainda estar na ativa – é um autor tão influente que o próprio Neil Gaiman já declarou que deve muito a ele em sua formação, fato que poderia ser explorado para apresenta-lo a um público bem maior.

*(Caso não o conheça, leia este artigo e a resenha de Eis O Homem)

Futuro Proibido

Os sobreviventes da New Wave britânica, Brian Aldiss e Michael Moorcock!

Essa resistência (ou indiferença) do mercado com certos autores não pode ser creditada apenas a uma crise econômica, mas – do lado de cá – só podemos teorizar em cima e questionar um ou outro indivíduo responsável direto quando a ocasião possibilita. Evitando entrar em qualquer paranoia característica de um universo conspiratório criado por algum dos autores citados, temos muito para consumir entre títulos de qualidade insuspeita, então só resta torcer por uma diversificação maior em um futuro próximo.

Mas quem tiver disposição, cara-de-pau e os meios para cobrar, que o faça!

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