Lobisomem é bicho bravo!
Embora o lobisomem seja sempre lembrado na galeria de monstro clássicos, como parte de uma trinca primordial do terror com Drácula* e a Criatura de Frankenstein, ele tem uma diferença fundamental em relação aos dois colegas citados. Como personagem, não há uma identidade definida para o homem que se transforma em lobo, mas chama atenção que esse conceito figure ao lado das criações imortais de Bram Stoker e Mary Shelley. A força deste arquétipo justifica o interesse que Alfer Medeiros tem por esses seres, que resultou em Fúria Lupina – Brasil, lançado em 2010.
*(Assista ao Formiga na Tela onde o livro Drácula foi comentado)
Primeira experiência literária de Alfer, analista de sistemas e professor universitário, Fúria Lupina não deixa clara somente sua paixão pelo tema. A própria orelha do livro já informa o leitor que ele cansou-se das abordagens mais tradicionais que o cinema e outras mídias já abraçaram. Explorar a riqueza do mito é a proposta aqui, o que é realmente animador para quem não suporta filmes como os da franquia Anjos da Noite (leia a crítica do quinto filme), entre outras bobagens.
Resumir a história uma breve sinopse é um pouco complicado, já que começamos acompanhando o que parece ser uma coletânea de pequenos contos sobre o tema. Criando uma linha narrativa que se inicia em 1977 e ultrapassa três décadas, esses contos nos apresentam ambientes e personagens em um contexto fragmentado, cujas peças depois se encaixam em uma trama bem maior. Tudo começa em Joanópolis, cidade do interior de São Paulo, conhecida na vida real como a capital mundial do lobisomem, indicando o esforço do autor em trazer seus personagens para uma ambientação mais verossímil e reconhecível para o leitor brasileiro.
A partir da apresentação de Caroline, que ingressa em uma organização dedicada a ajudar outros de sua espécie e mantê-la unida, a história desdobra-se para outros pontos do Brasil e do Mundo, onde conheceremos lobisomens cujos traços emulam o tipo de lobo da região, caçadores completamente amorais e um grupo ecoterrorista que usa esses dons lupinos para punir quem maltrata a natureza, construindo uma mitologia e uma lógica interna própria em volta desses seres. Um detalhe muito bacana é que outros elementos do nosso folclore acabaram incorporados neste universo.
O toque de alguém que realmente curte o tema
Além disso, Alfer delicia o leitor que gosta de caçar referências. Ao longo das páginas de Fúria Lupina – Brasil, encontramos diversas alusões a alguns filmes que se destacaram entre as produções do gênero. Um Lobisomem Americano em Londres, Grito de Horror e A Hora do Lobisomem (ou Bala de Prata, se você viu no SBT…) entraram no balaio, que não se prende apenas a filmes de terror. Dependendo da sua idade, também vai lembrar de vários eventos reais que ele menciona pelo texto, a fim de contextualizar historicamente cada recorte da história. Indispensável para dar substância ao conjunto, mas, da forma utilizada aqui, acabou criando um problema estrutural.
Na intenção de passar os detalhes da época, alguns diálogos acabam soando descritivos demais, perdendo a naturalidade e sacrificando a verossimilhança. Em outros momentos, as bravatas de alguns personagens se perdem da mesma maneira. Isso, mais o tempo que o livro leva de uma pequena história a outra, antes de montar seu cenário geral, deixam a leitura pouco fluida em sua maior parte. Felizmente, em seu terço final, Fúria Lupina – Brasil ganha um bom fôlego e avança de uma forma bem mais dinâmica, sem frustrar os que esperaram por um belo banho de sangue e vingança.
Fora isso, talvez o arcabouço geral da trama, seguindo uma clássica Jornada do Herói, embora não fique claro logo de cara de quem é essa jornada, incomode algumas pessoas, mas está dentro da proposta. Longe de querer reinventar a roda, o que é sábio em um primeiro trabalho, a criação deste universo deixa o caminho livre para uma ousadia maior em suas eventuais continuações.
A saga criada por Alfer Medeiros em Fúria Lupina – Brasil é uma bela inciativa dentro de um mercado ainda tímido, que desestimula escritores brasileiros de terror/ficção científica/fantasia. É o tipo de trabalho que precisa ser conferido, comentado e discutido, processo fundamental para o desenvolvimento dos nossos autores e, claro, do mercado editorial como um todo.