Filme Noturno (Night Film, 2013), é sobre investigação, cinema, celebridades e a abordagem midiática moderna a estes elementos. Trata-se da história do jornalista Scott McGrath que, anos antes do presente relatado no livro, foi processado pelo influente e recluso cineasta Stanislas Cordova, após ter insinuado que este era um perigoso criminoso. Cordova, descrito como o que podemos definir como uma mistura de Stanley Kubrick e José Mojica Marins, por seu estilo chocante, técnico e assustador de dirigir filmes, sumiu da mídia no final da década de 1970 e McGrath, após receber uma ligação anônima, fez afirmações bombásticas em um famoso programa televisivo, comparando-o, por exemplo, ao infame assassino Charles Manson e ao pregador fanático Jim Jones. Anos depois, o jornalista, então relegado ao ostracismo, se vê mais uma vez envolvido em uma investigação sobre o cineasta: o aparente suicídio de sua filha caçula, Ashley Cordova, uma criança prodígio da música, pianista virtuosa, que saltara para a morte do alto de um prédio abandonado em Chinatown.
Este resumo poderia, muito bem, ser sobre pessoas e eventos reais, mas tudo saiu da imaginação da escritora Marisha Pessl, em seu segundo romance (publicado no Brasil pela Editora Intrínseca). O livro, de 617 páginas, tem uma leitura ágil graças aos elementos que a aproximam da realidade do leitor moderno: recortes de revistas, jornais e páginas de Internet – tudo, claro, dentro da ficção. Porém, é a forma como a história é contada que torna a leitura atraente. A nova investigação, sobre a morte de Ashley, se sobrepõe à investigação antiga, sobre Stanislas Cordova, e, capítulo a capítulo, vamos descobrindo, junto com o protagonista, o que realmente aconteceu com ela.
A autora também se saiu bem elaborando as sub-tramas da história. Logo nos primeiros capítulos, somos apresentados a dois outros personagens: a aspirante a atriz Nora Halliday, que foi uma das últimas pessoas a ver Ashley viva, e Hopper Cole, que conhecia a falecida de um acampamento para jovens problemáticos. O trio improvável passa a investigar o caso e, com o passar dos capítulos, descobrimos que eles têm mais em comum do que poderíamos imaginar, cada um com seu conhecimento e experiências sendo fundamentais para o desenrolar da trama. Os personagens do universo de Cordova também são bem desenvolvidos, mas, para garantir o bom ritmo da história, Pessl nos revela as informações importantes bem aos poucos, boa parte desta descoberta por meio dos falsos recortes de jornais e revistas.
A história tem um quê noir, com elementos bem característicos desse gênero literário: o investigador (neste caso um jornalista, mas não menos competente), os assistentes (tanto os voluntários como os conhecidos – sempre em um extenso networking, que vai da delegacia de polícia mais próxima a advogados de porta de cadeia), a dama fatal (coincidentemente, a suicida Ashley, que parece exercer um fascínio em todos que a cercam, homens, mulheres, ou no próprio leitor) e um final, digamos, bem intrigante.
Ponto positivo para a autora, também, na relação com o mundo real. Existem pelo menos duas referências à clássicos da literatura noir, em menções à Sam Spade, protagonista do clássico O Falcão Maltês, de Dashiell Hammett, e Phillip Marlowe, protagonista de vários romances de Raymond Chandler. Percebe-se um zelo na pesquisa ao mencionar personagens do mundo real, como as irmãs Olivia de Havilland e Joan Fontaine (que possuíam uma conhecida rivalidade, transposta para o livro de uma forma bem similar à realidade, por meio de duas personagens importantes do fim do segundo ato da trama) e, em detalhes, parte da cerimônia do Oscar de 1980, na história, vencido na categoria de Melhor Diretor por Stanislas Cordova (originalmente, o Oscar deste ano foi para Robert Benton, diretor de Kramer vs Kramer, e este fato é utilizado no livro).
Obviamente, o livro cai em alguns clichês, como o uso do sobrenatural para explicar o comportamento de alguns dos personagens. Fica a seu critério, caro leitor, definir se era ou não algo deste tipo. Li o livro duas vezes e cheguei a duas conclusões diferentes – da primeira vez que sim, da segunda vez que não.
Filme Noturno poderia ser adaptado ao cinema. Com um bom roteiro, seria uma obra com as qualidades que os Cordovitas (termo dado aos fãs de Cordova no livro) dizem sobre o trabalho do cineasta fictício: Soberano, mortal e perfeito.