Lois Duncan apresenta uma história ultrapassada com algumas qualidades, tensões medianas e falhas descomunais
Se como filme, Eu Sei O Que Vocês Fizeram No Verão Passado é deturpado e desmiolado, sob a tutela original da escritora Lois Duncan é um livro que não passa de um irascível passatempo qualquer.
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À sinopse: Um ano atrás, Barry, Helen, Julie e Ray, fizeram um pacto de nunca revelar o que realmente houve naquela noite e nem o que aconteceu ao pequeno Daniel Gregg, de apenas 10 anos. Por um ano, a paz reinou e cada um seguiu sua vida. Até que um dia, um deles recebe uma carta de origem desconhecida que continha uma simples frase: “Eu sei o que vocês fizeram no verão passado”. E agora eles precisam sobreviver a todo custo ou morrer nas mãos de um assassino silencioso que sabe do maior segredo que lutaram para guardar.
Com 224 páginas, o livro foi escrito por Lois Duncan e publicado originalmente em 1978. A versão lida é de 2014. Duncan nos traz algo bem disposto a ser um thriller genuíno, ainda que açucarado e com uma certa leveza em sua superfície. Ela constrói cada personagem ao longo de sua curta obra com uma boa noção de subversão de expectativa e sem medo de brincar com seu público ao mostrar a imperfeição de cada um deles e que, há sua maneira, os adolescentes (todos na faixa de 17/18 anos) que estavam no carro foram coniventes com um crime. A omissão é um quinto elemento no grupo.
Apesar de haver certo arrependimento de alguns membros, não há uma remissão, mas não quer dizer que a escolha do silêncio seja isenta de consequência. Cada um, à sua maneira, sofre. Há quem fuja, quem se feche, quem negue sistematicamente e quem, mesmo na alegria, viva a vigilância de sempre olhar por cima do ombro. Esses arcos são adequadamente desenvolvidos pela autora e cada um com suas nuances, particularidades e fugas. Não há quem comece ou termine a trama da mesma maneira.
Essa boa vontade de Duncan em trazer algo mais inferencial afeta diretamente o tipo de preferência que é acompanhado na obra. Se há necessidade de descobrir quem é o perseguidor, uma leitura mais atenta pode te dar respostas interessantes rapidamente. Se for o contrário tudo será explicado e, como todo mistério que se preze, na hora certa. Este dinamismo pontual em atingir ambos os tipos de leitores pode estimular, inclusive, uma segunda leitura, que se perde o peso da surpresa, ganha na busca de algumas possíveis camadas a mais.
Dentro de digressões ocasionais, Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado também funciona, mesmo parcialmente. Apesar de começar muito auto-explicativo com conversas disfarçadas de exposição excessiva no primeiro capítulo — algo que muitas vezes condena previamente um suspense — logo é encontrado seu ritmo e assim segue até seu clímax. Não há uma obrigação de explicar tudo o tempo todo. As situações estão todas lá e elas exigem atenção se você quiser entender todos os contextos que o livro impõe.
Partindo para tecnicalidades, algumas das digressões citadas no parágrafo anterior que são transformadas em inferências se tornam qualidades narrativas abertas a poucos tipos de escritores e que Lois acerta. Por exemplo: Há críticas discretas ao Memorial Day (uma data americana onde se levam flores aos túmulos de soldados falecidos em guerras), incursões fervorosas a como o governo trata seus soldados que retornam das batalhas e o longo tempo de isolamento e traumas a que são submetidos, uma ou outra pequena crítica ao porte de armas e algumas sutis consequências da revolução sexual e seu papel na vida das mulheres. São panos de fundo para o tema da pressão psicológica, mas são interessantes e convergem ao final de forma que complementem algumas motivações. É tudo bem demarcado, ainda que limitado à poucas inserções ou complexidades.
(Confira também a resenha de Através do Vazio!)
No caso dos protagonistas Julie, Ray, Barry e Helen, o desenvolvimento deixa evidente que não são um grupo comum de amigos, mesmo estereotipados, sequer são pessoas que continuaram exatamente próximas. São relações complexas, com segredos menores dentro de um segredo maior. É algo que incomoda e instiga, ainda que peque-se pela artificialidade relacional também. Mesmo assim, há dicotomia variável e eventualmente condizente com o peso de um trauma. O livro também brinca com a sensação de condenação que se torna um crescendo entre os personagens e que também acontece por parte do leitor. Como a história já começa um ano depois do acidente que origina a história, os flashbacks não cooperam para o senso de imersão, mas somente para a urgência e não há a exigência de comprometimento real com o erro dos personagens. É possível tomar lados e torcer dentro do caos controlado que é uma obra ficcional sem se sentir parte da obra, como um muro entre leitor e letradura.
Problemas mais graves
Mas também há problemas mais graves. O final é feito de forma corrida e um tanto expositiva, com direito a vilão explicando seus porquês. Faz ainda menos sentido quando analisado que há um plano em andamento, mas que se nada havia a se explicar a um, não haveria porque explicar aos outros. Existe também uma confusão de pequenas pontas soltas e alguns roteirismos pesados. Há desfecho de um dos personagens que simplesmente é esquecido, fazendo que a cadência sofra com essa falta e indefinições em geral. Ocorrendo, provavelmente, por puro amadorismo e/ou absoluta desatenção.
Já o segundo defeito grave é editorial, já que nos EUA foi feita uma espécie de “atualização” da obra completamente absurda e desnecessária. Como consequência, nisto inside os anacronismos (Erros temporais entre cronologia e elementos específicos daquele período). Para não me estender demais, sendo uma obra de 1978 e com diversos elementos que o reconhecem desta forma, com referências explícitas àquele período, falarei apenas de dois exemplos. É citado Photoshop como um recurso de edição às fotografias da época, mas o programa foi criado apenas no final dos anos 80 e comercializado no início dos anos 90. Uso de celulares também é extremamente difundido na obra, mas mesmo criado entre 73/74, só chegou ao público pouco mais de dez anos depois. Esses erros são sempre complicados de serem devidamente assimilados ainda mais com as citações históricas já mencionadas nesta crítica e que servem nitidamente como bússola narrativa ao seu período originário que buscou representar, ou seja, o final dos anos 70.
Isto posto, não é uma leitura que faz roer as unhas de nervosismo, mas se torna um livro que não fica apenas feliz em dividir com o leitor a infelicidade da maior parte dos protagonistas, como também o provoca a sentir a tensão de haver alguém à espreita, esperando o momento certo para acertar contas. Apesar de uma pegada descartável e juvenil em Eu Sei o Que Vocês Fizeram no Verão Passado, há de ter algum mérito em ser parcialmente agradável, mas peca com problemas em seu esqueleto básico e com erros que tiram de sua estrutura a possibilidade de ser algo realmente marcante, fazendo do livro uma obra que tropeça na própria pressa e se desfaz em obviedades gritantes. Está longe de ser péssimo, mas datou-se em suas próprias pretensões e ganância editorial, sendo assim um parco passatempo e sem potência para ser realmente marcante.