Autor explora questões atuais e urgentes no cenário Sci Fi de Epílogo
Com a produção de Literatura Fantástica no Brasil crescendo e aparecendo mais a cada dia, a Ficção Científica parece um terreno fértil para autores nacionais explorarem alguns temas. Arriscando o clichê, não faltam hoje detalhes observáveis no cotidiano ou jornalismo que inspirem a visão de algum tipo de distopia. Talvez por isso mesmo, Epílogo soa como a voz de alguém preocupado com questões específicas do nosso cenário. Não restritas ao Brasil, é um fato, mas é primeiro pensando de forma local que podemos abordar de forma apropriada o global.
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Epílogo foi escrito por Victor Allenspach, que não é um estreante na função. O tipo de narrativa entregue aqui surpreende quem teve acesso ao seu livro anterior. Trabalhando agora com um arco dramático mais tradicional, ele propõe uma mescla interessante de cenário pós-apocalíptico com cyberpunk. O foco crítico das duas vertentes, que os fãs deste tipo de literatura já conhecem bem, é o delicado equilíbrio ecológico comprometido pelo homem na primeira e questões diversas de identidade na segunda.
Através da jornada de uma mulher comum, pelos nossos padrões, transformada em um ser totalmente biônico, exceto pela cabeça, o autor desenvolve o pano de fundo. Sem memória e batizada como Proto, a mulher conhece o povo do esgoto, uma sociedade que ali habita para proteger-se da radiação solar, em um futuro indeterminado. A superfície é agora uma terra desolada, com grupos espalhados em comunidades abaixo do solo.
São habitações improvisadas pela urgência das catástrofes, o que não impede realizações notáveis. Proto é uma delas, criada/revivida pelo genial Lázaro como um ser capaz de transitar na superfície atrás de artefatos e sobras tecnológicas para seu proveito. O conceito de cyberpunk – high tech / low life – ganha uma roupagem interessante com esse povo. Afinal, membros biônicos são comuns no esgoto, mas Proto é algo além por ter seu corpo inteiro substituído.
Voltando à vida para encarar uma realidade duríssima, em meio a sujeira, câncer e amputações, entre outros males, Proto é um elemento para refletirmos sobre o que fundamenta a identidade de alguém. Embora ninguém ali pense nisso, trata-se de uma cabeça de mulher. Apesar da poderosa carcaça metálica, ela ainda carrega traços de quando tinha seu corpo, mesmo sem lembrar e não fazer ideia de sua vida anterior. Como classificar essa nova configuração de ser?
São questionamentos que remetem a Frankenstein ou o Robocop original, de Paul Verhoeven. Uma carga conceitual que insinua que o passado, em algum momento, se tornará um peso impossível de ignorar.
Dividido em dois atos, Epílogo derrapa em sua segunda metade
Conforme avança e precisa responder perguntas, além de expandir seu pano de fundo, Epílogo sacrifica algo da força que mostrou em sua apresentação. Victor Allenspach começa muito bem sua narrativa, colocando dúvidas nos leitores que impulsionam a história. Apesar das descrições se tornarem algo repetitivas aqui e ali, é estimulante seguir em frente.
A partir do grande ponto de virada, algumas soluções e encontros são convenientes demais para o avanço da trama. Além disso, a mão do autor pesa nos momentos em que se propõe a criticar mais abertamente determinados aspectos da sociedade atual. São assuntos mais do que pertinentes, é claro, mas a abordagem pouco sutil compromete algo desta mensagem.
Ainda que esses detalhes pesem e que a questão descritiva persista no segundo ato, Epílogo tem um encerramento interessante e digno dos questionamentos de seu início. São aspectos que acompanham o leitor depois de finalizada a leitura, transcendendo os tópicos de identidade e tocando os que dizem respeito à própria vida em si.
Publicado de forma independente, o texto traz alguns erros de revisão evidentes. Nada que comprometa a leitura, mas é sempre necessário observar para melhorar em empreitadas futuras.
Entre pontos positivos e negativos, Epílogo se sai bem como representante do Fantástico nacional e é uma boa aquisição para qualquer aficionado no segmento, que apoia a produção local. Também comprova a força da imaginação de Victor Allenspach, que parece ter muito mais a oferecer ao mundo da Ficção Científica nacional.