Elric de Melniboné nas prateleiras do Brasil
Um vácuo editorial brasileiro foi preenchido no semestre passado, pelo menos para os fãs da literatura de fantasia. A criação mais famosa de Michael Moorcock chegou às livrarias brasileiras sem muito barulho, mas ganhou uma edição à altura da sua importância e influência no segmento. Elric de Melniboné : A Traição Ao Imperador -Livro Um, nos apresenta Elric, imperador do reino mágico de Melniboné – também chamado de Ilha do Dragão – uma potência ancestral em declínio, cujo povo, mais dado à amoralidade do que sensibilidade, em seu momento atual enfrenta invasões bárbaras dos Reinos Jovens, habitados por humanos. Embora pouco ameaçadoras, essas incursões reforçam o sentimento de que o tempo de glória dos melniboneanos já passou e que seu fim já está previsto.
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Neste cenário, Elric é um personagem que subverte as convenções das aventuras do estilo Espada e Magia, como o Conan de Robert E. Howard, por exemplo. Albino e fraco, o relutante imperador, sempre questionando se está à altura do Trono Rubi, é muito mais um feiticeiro do que um guerreiro forte e viril. É apenas graças a drogas poderosas que consegue manter-se em atividade física, algo que, além do seu albinismo e sua inclinação à cultura e ponderação, é sempre lembrado por Yyrkoon, seu primo, como prova de sua incapacidade como imperador.
Uma jornada dolorosa
Moorcock ainda criou mais tormentos para seu protagonista, trabalhando com conceitos de caos, ordem e predestinação, o que coloca no caminho de Elric a espada rúnica Stormbringer, uma entidade consciente a serviço do caos, que absorve a alma dos que são mortos por ela. A aventura que apresenta esse universo lisérgico mostra o imperador com seu trono ameaçado pelo primo, que cobiça a posição, enquanto precisa lidar com mais uma tentativa de invasão dos Reinos Jovens e proteger seu amor correspondido, Cymoril, irmã de Yyrkoon.
Em pouco menos de 200 páginas, a narrativa desenvolve todos esses elementos de uma forma rápida. Em alguns momentos, pela quantidade de páginas decorrida, o leitor pode ter a impressão de algo escrito às pressas, mas é um julgamento precipitado. É certo que ao pensarmos em épicos fantásticos, logo imaginamos livros bem mais encorpados do que esse, que se detém em descrições minuciosas dos universos onde se ambientam, mas o autor certamente evitou isso, mantendo-se mais próximo à tradição dos pulps, porém sem nunca abrir mão da complexidade e sofisticação que se espera de um autor inglês.
Falando em complexidade, além da profundidade emocional e psicológica conferida a Elric, percebida já no primeiro volume, o conceito de multiverso concebido por Michael Moorcock, juntamente com a intrigante ideia de um Campeão Eterno, atravessa toda sua obra no campo da fantasia e ficção científica, traçando uma ligação entre figuras tão diferentes e improváveis quanto Elric de Melniboné e o agente secreto Jerry Cornelius, outro personagem seu ainda inédito no Brasil.
O espadachim albino surgiu em junho de 1961, no conto The Dreaming City, publicado na revista Science Fantasy #47. Curiosamente, o autor não concebeu essa e as histórias seguintes na ordem cronológica do personagem. Tanto que, ainda na década de 1960, outra série de contos, depois reorganizados para dar origem ao livro Stormbringer, já mostra o fim da saga do personagem. A editora Francisco Alves o publicou por aqui por volta de 10 anos depois, com o título A Espada Diabólica, e essa edição permaneceu até o ano passado como a única aparição literária de Elric em nossas prateleiras*, provavelmente deixando os leitores brasileiros confusos, já que desconheciam o fato de que a cronologia do personagem era diferente da sua sequencia de publicação. O início da saga só foi lançado em 1972, que é o nosso volume em questão.
*Apareceu também em quadrinhos, mas isso fica para outra postagem!
A Generale, selo da Editora Évora, segue a cronologia correta do personagem, hoje organizada em nove livros, três deles com material escrito durante a década de 1980. Elric de Melniboné: A Traição Ao Imperador – Livro Um é uma edição com acabamento gráfico bacana, tradução razoável, fazendo valer cada centavo pago, e o mais importante é que faz o favor de apresentar Michael Moorcock para um mercado cada vez mais ávido por esse tipo de material. A Generale prevê o próximo livro ainda para este semestre, mostrando que o personagem já tem seu lugar por aqui.
Novatos e iniciados agradecem!
Confira também a resenha do Livro Dois!