Martin Scorsese é o responsável pelo prefácio do livro, que foi publicado originalmente três anos após a morte de Kubrick, em 1999. Já nesta parte, percebemos que sua obra precisa de tempo para ser digerida. O veterano fala de como vários filmes do falecido cineasta foram mal compreendidos em sua época de lançamento, recebendo o olhar que mereciam somente anos mais tarde. Só pelo peso destas declarações no prefácio, pode-se notar como é uma obra digna de ser vista com atenção e analisada de tempos em tempos.
“Assistir a um filme de Kubrick é como ver o cume de uma montanha a partir do vale. Nós nos perguntamos como alguém pôde subir tão alto.”
Martin Scorsese
Entre as 384 páginas, também há um conjunto de textos sobre a obra de Kubrick escritos por diversos autores. É extremamente interessante como cada um mostra uma visão completamente diferente a respeito dos mesmos filmes, e o melhor é que todas elas são aplicáveis. É uma filmografia absolutamente rica em sua linguagem, conseguindo proporcionar essa diversidade de olhares até hoje.
Neste tipo de iniciativa, é claro que sempre existe um ou outro texto que força a barra em alguns momentos, como -por exemplo – um autor que diz que Kubrick escolheu o planeta Júpiter em 2001- Uma Odisséia no Espaço para representar o deus grego Zeus. Essa leitura seria até interessante, não fosse o fato de que a escolha de Júpiter foi por uma questão meramente técnica, já que Saturno (como é no livro de Arthur C. Clarke) não estava crível em tela. De qualquer forma, a leitura desses artigos nos faz querer revisitar cada um dos longas do cineasta à procura de novos significados.
Sem dúvida, a parte mais interessante é a que contém as entrevistas com o próprio Kubrick sobre Laranja Mecânica, Barry Lyndon e O Iluminado. Como sempre se manteve longe de holofotes e raramente concedia entrevistas, qualquer palavra dele mesmo sobre sua obra – ou sobre o Cinema em si – é muito valiosa. A visão sobre os próprios filmes é tão sólida que notamos, de cara, o caráter autoral e íntegro do diretor perante a sétima arte e suas possibilidades como linguagem.
E é claro que não poderiam faltar depoimentos e entrevistas com aqueles que trabalharam com o cineasta, tanto atrás quanto na frente das câmeras. Atores como Jack Nicholson, Shelley Duvall e Malcolm McDowell falam de sua experiência, assim como o produtor James B. Harris (Lolita), o diretor de arte Ken Adam (Barry Lyndon) e o diretor de fotografia John Alcott (2001 – Uma Odisséia no Espaço) detalham como funciona o processo de concepção artística junto com o diretor.
Conversas com Kubrick é sem dúvida um livro obrigatório para qualquer fã do diretor e do Cinema como arte. Michel Ciment reuniu um material extremamente valioso. Mas, cá entre nós, não é preciso muito esforço para ter algo de qualidade quando o objeto de estudo é um dos artistas mais importantes do século XX e dono de uma filmografia invejável.