Versão mais recente do livro Contato da Editora Companhia das Letras
A maior parte dos escritores de ficção científica acaba enfrentando problemas, como inconsistências de lógica interna ou externa (no caso dos que se propõem a serem mais “realistas“), e a dramaticidade – ou a falta de – com baixa qualidade ou desnecessária. De vez em quando, surge uma obra que consegue atingir um nível de qualidade extremamente elevado, como é o caso de Contato – de 1985 – e a grande surpresa é que não foi feito por um escritor de ficção, acostumado com as curvas dramáticas da arte de narrar histórias, mas por um astrônomo.
Carl Sagan é uma figura extremamente conhecida. Com um currículo extenso, o astrofísico ganhou fama com seus livros (Pálido Ponto Azul) e com a série Cosmos, que ficou popular na TV no início da década de 80. Contato é sua única obra ficcional e conta a história da radioastrônoma Ellie Arroway que trabalha no SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence, que significa busca por inteligência extraterrestre) e encontra um sinal que pode ser originado por uma inteligência alienígena.
Carl Sagan (1934-1996)
Para os mais aficionados por ciências, Contato é um dos livros de ficção científica mais importantes já publicado, não apenas pela qualidade literária, mas também pelos diversos temas que discute. A narrativa possui diversos momentos em que há reflexões e debates sobre religião, política e a própria sociedade como um todo. E, claro, tem a questão desbravadora de descobrir novas formas de vida inteligente fora da Terra, que se torna quase um ensaio de como o mundo reagiria nos contextos sociais e religiosos, caso isso acontecesse.
Além de montar uma história coesa e pautada na realidade de nosso mundo, o autor também consegue criar um drama muito comovente para a protagonista Ellie. A personagem é uma clara representação do próprio Sagan, pois suas opiniões e pensamentos são os mesmos que o cientista sempre expressou para o mundo, e justamente isso a torna tão crível e sua luta em prol do conhecimento tão cativante.
O Radiotelescópio de Arecibo é o maior radiotelescópio fixo do mundo, e localiza-se em Arecibo, Porto Rico.
Outro personagem importantíssimo para a trama é o teólogo Palmer Joss. Como um dos principais temas do livro é a questão da ciência em oposição à religião, Sagan resolve colocar um estudioso de teologia para debater com uma estudiosa da ciência e ambos colocam os melhores argumentos na mesa. Estruturalmente falando, esta parte em específico gera um freio na história, mas a discussão é tão instigante e fascinante que o leitor acaba desejando que fosse ainda maior.
A obra possui um ritmo relativamente lento, mas de nenhuma forma cansativo. Sempre instigante, a narrativa leva o tempo necessário para o entendimento de todo o contexto político e social da situação, além de dar espaço para o desenvolvimento dos questionamentos apresentados, de forma a não frustrar o leitor mais pensador – obrigado Sagan! Tal cuidado e carinho na condução da história já seriam motivos de aplausos para o autor. Mais aplausos ainda tendo em mente que tudo isso é realização de uma pessoa não experiente no campo da literatura ficcional.
Jodie Foster no papel de Ellie Arroway na adaptação para o cinema.
É uma pena não poder falar sobre o fascinante final sem revelar um grande spoiler, mas é garantido que vale a pena ler na surpresa. Apenas fiquem cientes que o livro como um todo é diferente do filme, portanto, mesmo que o tenham assistido, a obra literária guarda momentos muito mais contundentes e emocionantes, que são capazes até de fazer com que caia uma ou duas lágrimas de seus olhos, falando por experiência própria.
Contato é uma incrível ficção científica que fala não apenas de ciência, mas também de questões que permeiam a mente de qualquer ser humano, como de onde viemos, se estamos sozinhos no Universo, se existe um Deus e de nossa inerente natureza desbravadora.
