Cinemas de Horror destrincha o medo na telona
O horror, o horror. Só quem tem pelo menos uma dúzia de filmes sobre almas penadas, o diabo em pessoa, mortes e muito sangue sabe o quanto este gênero é vasto e permite que a imaginação voe longe. Mesmo com a insistente existência da turma dos que acham que “horror é tudo igual” (que gente bobinha!), o horror segue firme e, mesmo em períodos pouco criativos, o que não falta são produções que acreditam que muitos pagam ingressos para sentir medo e experimentar situações nem um pouco agradáveis. Ah, o ser humano e suas ideias maravilhosas e desejos inexplicáveis! Muitos deles estão nas páginas de Cinemas de Horror, lançado em 2014 pela editora Estronho, capitaneada por Marcelo Amado.
(Confira nosso vídeo com uma análise do gênero terror e também um artigo sobre sua evolução na literatura)
O livro é organizado pelo curitibano Demian Garcia, que além de espectador cativo do horror também é compositor de trilhas de ótimos exemplares do gênero do nosso país tropical, como Nervo Craniano Zero e Morgue Story, ambos do conterrâneo Paulo Biscaia Filho. Demian resolveu que era chegada a hora de estudar tripas, zumbis, exorcismos e assassinos em série…na academia! Nascia assim o Grupo de estudos de Cinema de Horror da Faculdade de Artes do Paraná. Poesia, crítica social e política e erotismo foram alguns dos temas descobertos por trás de tramas aparentemente concebidas para garantir alguns sustos e traumas, no caso dos corações mais frágeis. A constante troca de ideias entre os participantes,que incluem a francesa Adrienne Boutang e o canadense André Loiselle, resultaram em descobertas que agora chegam até os leitores-cinéfilos.
As alucinações do grupo, que é como Demian define as discussões na apresentação do livro, foram transformadas em textos incríveis que são um deleite para os fãs do gênero e uma boa porta de entrada para quem desconhece diretores como Kiyoshi Kurosawa ou filmes seminais como O Estudante de Praga, dirigido por Paul Wegener e Stellan Rye em 1913 e inspirado no conto William Wilson, de Edgar Allan Poe. Quem dera todas as alucinações fossem assim tão divertidas e cheias de informação
Prefácio Mortal
E o horror já começa no prefácio, assinado por Carlos Primati, um dos maiores pesquisadores do tema no Brasil. Uma introdução que já chega colocando o dedo no maior dos medos e também a maior certeza dos homens: a morte. Antes de desfrutarmos dos artigos movidos pela paixão e baseados em pesquisas que envolvem semiótica, filosofia e literatura, Primati traça uma linha do tempo do horror e deixa claro o que muitas vezes esquecemos: filmes de horror lidam com a morte o tempo todo e nós vamos até eles para experimentá-la, desafiá-la, esquecê-la. Ela está em clássicos como Psicose, de Hitchcock e em slashers como Sexta-Feira 13, Sean S. Cunningham. É constante na filmografia mexicana, japonesa, americana, brasileira. Afinal, o mítico personagem Zé do Caixão, criação de José Mojica Marins, vive obcecado pelo filho perfeito para tentar burlar o seu fim e viver em outro corpo, através do sangue.
A diversidade de Cinemas de Horror é seu grande trunfo. Não existem julgamentos por parte dos autores, mas um olhar curioso e sempre disposto a novas cores e formas. Há espaço para produções que levaram multidões ao cinema e também trabalhos mais autorais. Sim, pois não é apenas na aclamada Nouvelle Vague que existem criadores. As ruas de Paris são incríveis na tela grande, mas alguns cadáveres podem virar obras de arte. Nas mãos certas, é claro.
Num ambiente repleto de preconceitos como o acadêmico, onde sabemos que alguns cinemas não são aceitos como arte e, por consequência, não merecem um estudo mais atento, é motivador ver um livro nascido de um grupo de estudos com uma alma tão livre e que deixa claro em cada linha que o objetivo principal é desbravar o gênero, do seu exemplar mais barato até produções que já alcançaram o título de obras-primas.
Óbvio que alguns artigos possuem uma levada mais densa, mas Cinemas de Horror é, antes de tudo, um livro para cinéfilos no sentido mais amplo da palavra. Aqueles que sentem o cinema como uma arte-espelho, mostrando todos os lados, inclusive os que a gente batalha para esconder. Após a leitura, fica difícil sustentar a tese dos avessos ao horror que afirma que a vida já é sofrida demais para pagar para ver morte, tortura e fantasmas. Meus caros, eu tenho medo é de quem não encara os próprios medos. O desejo pelo arrepio é natural do ser humano. Não fuja. Experimente e saia vivo da sala de exibição. Afinal, a realidade não vai te dar essa chance.