Gosta de filmes B? Este livro foi feito para você!
Você, prezado leitor do nosso querido Formiga Elétrica que gosta de cinema, assuma sem medo: nem só de Bergman, Glauber Rocha e Antonioni vive a cinefilia. O início do vício em filmes costuma surgir com exemplares, digamos, não tão artísticos e rebuscados. Ou, pelo menos, não tão endeusados pela maioria dos estudiosos e críticos. Aquilo que convencionou-se chamar de filmes B.
Porém, contrariando a turma que só fala de Nouvelle Vague e Neorrealismo Italiano (que são ótimos, diga-se de passagem), o escritor e crítico de cinema César Almeida (o mesmo César Alcázar, autor do personagem Cão Negro, resenhado aqui no Formiga por essa criatura que vos escreve) resolveu escrever umas bem traçadas linhas sobre filmes que você não vai encontrar com facilidade nas listas de os 10 melhores da Sétima Arte.
Cemitério Perdido dos Filmes B: Redux, lançado em 2014 pela editora paranaense Estronho*, dentro da sua coleção dedicada ao cinema, é uma espécie de versão estendida de um livro de 2010, que continha críticas que César publicava em seu blog e também em sites e zines ligados à temática do Cinema B. Com mais filmes e páginas, o livro tem diferentes sabores, dependendo do leitor que o tiver em mãos.
*(Confira também outras resenhas do catálogo da editora, como Cinemas de Horror e Era Uma vez No Spaghetti Western)
Para quem está dando os primeiros passos no submundo da Sétima Arte, é uma aula divertida, já que o autor conhece muito sobre o assunto e não para de garimpar coisas novas (velhas?). Há uma preocupação em situar o contexto histórico, mostrando, em alguns casos, que tramas aparentemente simples escondem significados que vão da crítica política ao feminismo.
Já quem é soldado antigo na batalha, daqueles que espirraram dezenas de vezes diante de VHSs empoeirados e perderam noites diante da TV, vai encontrar amigos de longa data em cada página. A mistura de Cemitério Perdido dos Filmes B: Redux pode parecer confusa, mas segue o ritmo da vida de quem ama os filmes ruins de tão bons. Há desde o clássico Barbarella, de Roger Vadim, até pérolas como O Ataque das Sanguessugas Gigantes, de Bernard Kowalski, todos resenhados com tratamento Classe A.
Ao contrário de uns por aí, que dedicam-se a apenas tirar sarro dos efeitos especiais improvisados ou das atuações duvidosas, César desvenda os mistérios das produções e ainda dá o norte para quem quer encontrar os filmes em boa qualidade, já que o mundo do Cinema B não era lá muito respeitado pelas distribuidoras de Home Vídeo brasileiras até surgirem coleções bacanas, como Obras-Primas do Terror e Faroeste Spaghetti, ambas lançadas pela Versátil.
Pouco recurso, muita criatividade
É um deleite poder ver uma análise sobre filmes como Disparo Para Matar, de Monte Hellman, um western típico da Nova Hollywood, com poucos diálogos e muito mistério, ou então Vixen, de Russ Meyer, que usa o erotismo como chamariz, mas que na verdade é uma obra sobre racismo, incesto e política. Tudo escrito com a propriedade quem sabe do que está falando.
E os subgêneros não param a cada texto: blaxploitation, sexploitation, nunsploitation (sim, nem as freiras escapam!), filmes femininos de cadeia, filmes de canibais, filmes de canibais em cadeias, soft porn, filme de motoqueiro, as dezenas de Emannuelles e as centenas de Dráculas. Ufa! Uma pausa e começa mais uma longa lista, que pode ficar ainda maior se você for atrás de outro livro Estronho, o Cemitério Perdido dos Filmes B: Exploitation, onde César chamou uma galera tão apaixonada quanto ele pelo assunto para explicar um pouco de toda essa exploração na telona.
O prefácio de Cemitério Perdido dos Filmes B: Redux é assinado por um dos maiores conhecedores do cinema de horror do Brasil, o jornalista e historiador Carlos Primati. Mais que apresentar a obra e seu autor, ele faz um relato emocionado sobre a força do cinema B na formação cinéfila, indo muito além da mera curiosidade pelas referências de nomes como Quentin Tarantino. Afinal, a diversão verdadeira não está na cena da agressão da Noiva em Kill Bill Vol. 1, mas na fonte refrescante onde o diretor bebeu, a ótima abertura de A Morte Anda a Cavalo, de Giulio Petroni. É a magia de ver histórias malucas, assustadoras, ousadas, inteligentes e incomuns onde a maioria vê apenas mais um filme barato. É ver que genial não é quem as copia ou reformula, mas quem as cria.
Ao final da leitura, ficamos com a mesma sensação de quando entrávamos em uma locadora. Ocasiões em que perdíamos horas descobrindo diretores, atores e roteiros que quase ninguém queria assistir e não estavam nas prateleiras de destaque. Dá até pra sentir o cheiro de mofo. O que jamais deixa de estar impecável e iluminado pelo sol é a paixão pelo cinema. Todos os cinemas.