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Caminho de Formiga #05 – Minha história daria um filme. Será?

“Minha história daria um filme”. É verdade. Mas por motivos que você não imagina

Todos os dias fazemos coisas iguais. E não só iguais aos nossos próprios dias. Iguais aos dias de todo mundo. Então porque você acha que a minha história, ou a sua, que é igual a de todo mundo, daria um filme? E eu te respondo: justamente por causa disso.

Quando escolhemos sobre o que escrever, normalmente procuramos uma trama completamente nova e diferente. Algo nunca visto ou pensado por qualquer pessoa – afinal, eu sou um gênio criativo, e com certeza minha narrativa é original e inédita. Tremei Asimov!!

Bom, não. Não é. E nem precisa ser.

Uma trama é apenas o chamariz de uma história. Ela vai aguçar a curiosidade para algo peculiar. Não é algo que nunca foi visto, mas que não foi explorado por esse ângulo. Porém, por mais diferente – ou até ridícula – que uma trama possa ser, ela pode dar um bom história, desde que a abordagem seja feita a partir do ponto de vista de alguém igual a todo mundo. Como você, por exemplo.

Um bom roteiro não é aquele que traz a trama mais original – apesar disso ser um bom ponto de partida – mas um que traz um olhar original. Apesar de viver igual a todo mundo, cada pessoa tem formas diferentes de agir em relação a um evento.

Representação importa

O espectador tem um desejo bastante simples: ser representado. Vejamos o exemplo de duas séries atuais – e uma nem tão atual assim. As séries Atypical, da Netflix, e The Good Doctor (do criador de House, David Shore, com Freddie Highmore, de Bate´s Motel) tratam de protagonistas com uma dificuldade de relacionamento, que pode ser comparada ao autismo; porém essa condição tem um espectro bem amplo, uma coisa que já é abordada há tempos por The Big Bang Theory – de uma forma menos aberta – com o personagem Sheldon.

minha história

Sheldon: um exemplo de diferente, mas com o qual conseguimos nos conectar.

Apesar da curiosidade de vermos personagens um pouco diferentes dos padrões da sociedade, em todos esses exemplos o que nos faz com que nos importemos com o personagem é o mesmo que encontramos todos os dias na nossa vida: conflitos.

A abordagem que cada um toma quando se encontra com um percalço vai variar por causa de diferentes fatores como seu ambiente, suas relações ou a ausência delas, seu temperamento, suas crenças (não necessariamente religiosas) e convicções. Assim, o que faria com que sua história pudesse se transformar em um bom filme ou um bom livro está na combinação dessas diferenças, com uma história comum a todo mundo.

Como dizem os produtores, “mais do mesmo, só que diferente”. Então, como você pode criar, a partir de sua própria história, um produto que atraia a um grande número de pessoas, independente de ser um robô alienígena ou uma dona de casa de 50 anos?

Uma vida em recortes

Você precisa identificar que fatores são universais ao ser humano e que o atormentam na sua vida.
Repare que eu usei duas ações negativas – ter conflitos e ser atormentado – para o personagem. E você pode se perguntar: questões positivas não são bons argumentos para serem abordados numa história pessoal? São, mas elas servem como prêmio, e não como caminhada. Personagens são movidos pela falta, e não pela abundância.

Para que sua história seja interessante e digna de ser contada para uma multidão, é preciso identificar o que falta na sua vida – e que falta na vida de todo ser humano. Porque é esse sentimento em comum que faz com que as pessoas se identifiquem com um personagem, algo que muitos filósofos alemães da arte abordam com muita precisão, e que vale a pena se aprofundar: o ser humano é incompleto por natureza, e sua vida é uma eterna busca.

minha história

Entre eles, Schleiermacher.

Mas é preciso perceber também que todos os dias temos novos desejos, e sempre seremos esse ser incompleto. E aqui é que entra o recorte da realidade. Se nossa busca é diária e sempre se renova, é preciso pensar num recorte que transforme nossa história em algo com começo, meio e fim. Saber que, mesmo que a vida continue nessa constante luta para preencher um vazio invisível, é possível dividi-la em objetivos, alcançados ou não, onde os conflitos podem dar o tempero – mas que tudo tem seu fim (e seu recomeço) dá a todo ser humano um pouco de completude. Que é o que todo ser humano busca.

Sua história pessoal é digna de um filme, pode ter certeza disso. Mas não pelo que ela tem de diferente, e sim pelo que ela tem de igual.

Caminho de Formiga é uma série mensal de artigos focados em roteiro e storytelling. Se quiser perguntar algo ou dar sua opinião, fique à vontade para fazer isso nos comentários. Até o próximo mês com mais um Caminho de Formiga.

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