Biografia do Black Sabbath relata a alucinada trajetória da banda
“Eles eram o Black Sabbath e, não importa o que escrevam sobre eles um dia, eles sempre terão sido a banda mais insultada de todos os tempos”. Essa citação do autor e biógrafo Mick Wall resume bem o conteúdo de Black Sabbath – A Biografia: caos, desprezo e a absoluta falta de consciência suplantada pela raiva e, posteriormente, por mais drogas do que se é capaz de imaginar. Para o leitor desatento, parece apenas a história de mais uma banda de rock. Mas eles nunca foram mais uma. Muito menos de rock. Porquê, em 1970, o mundo se tornou um lugar mais escuro. E mais barulhento.
Mas como bom biógrafo, Wall fez sua lição de casa e nos dá um ótimo contexto sobre a vida pregressa do quarteto de Aston, subúrbio de Birmingham, Inglaterra, que compõem a formação original da banda. Em que pese que talvez isso fosse sequer necessário, pois o autor não apenas é uma lenda dos bastidores do rock britânico, tendo convivido com inúmeras lendas do auge do gênero na ilha, mas chegou a ser assessor de imprensa do Sabbath durante um tempo. O que rende uma visão aproximada dos eventos – de fato, muitos deles são narrados em primeira pessoa.
Curiosamente – e esse é um dos muitos méritos da biografia – Wall se recolhe ao seu papel jornalístico, e evita promulgar qualquer tipo de julgamento sobre atos e eventos; ou qualquer tipo de nota moral para todos os efeitos. O que é um feito hercúleo, já que assistir de perto o que esses caras fizeram durante seus quase 50 anos de carreira pode assustar mesmo quem já ouviu de tudo sobre os excessos de rockstars. Talvez a única opinião mais orientada de Wall seja justamente sobre a vida pregressa mencionada acima – que não foi nada fácil por sinal.
É salutar lembrar que o Sabbath – lembrando ao amigo leitor que arte sempre está aberta ao debate – como dito, não é uma banda de rock. Porque o rock, aparentemente, não era o bastante para escapar da realidade em que eles viviam. Aston, nos anos 1960 e 1970, era uma cidade industrial e de mineração. O clima já não é uma das motivações turísticas da Inglaterra, então imagine isso associado a completa degradação de uma cidade baseada nesse tipo de economia. De quebra, Aston ainda oferecia aos seus moradores uma atração histórica toda particular – buracos de bombas da Segunda Guerra ainda permeavam o município, lembrando a todos das cicatrizes ainda abertas de uma guerra não muito distante na memória. Ah sim, e como desgraça pouca é bobagem, se o amigo leitor deixou passar, o mundo estava no meio da Guerra Fria.
O autor retoma todos esses fatos para explicar as motivações artísticas e emocionais da banda que os levaram a criar um som mais pesado, assustador e brutal do que qualquer outra coisa de que se tinha notícia até então. Esse magnífico prólogo se encerra com a narrativa da gota d´água e confirmação da lenda – embora seja um fato mais do que conhecido: a perda das pontas dos dedos de Tony Iommi. Mesmo não estando lá nesse momento, Wall consegue captar a aura de dor e frustração do guitarrista, que se tornaram fúria na forma de trítonos malditos.
Guitarras em fúria
A partir daí, o autor faz uma boa recapitulação da tumultuada trajetória da banda. Em verdade, parece por vezes um pouco econômica demais – é um livro muito curto para toda a demência envolvida. Ou, por outro lado, talvez sua breve extensão ajude a potencializar o impacto do que é narrado e também a emular a velocidade dos riffs que emolduraram o estilo único da banda. O fato é que, independente disso, é impossível não ficar chocado com o tamanho da alucinação – e da alienação – que a banda viveu. A partir do momento em que seus álbuns se tornaram famosos e rentáveis, parece que toda a catarse de uma vida de opressão emergiu de uma única vez, e nada mais importava. Wall, se utilizando de uma escrita dinâmica e envolvente, relata a montanha-russa que foi a meteórica carreira do Sabbath nos 8 primeiros álbuns da fase com Ozzy nos vocais, inventando o heavy metal e mais uma meia dúzia de seus subgêneros no meio do caminho.
Após a saída de Ozzy e o início da pulverização da banda, Wall, nesse curto espaço do livro, consegue realizar um feito e tanto – recapitular a maior dos (muitos) coadjuvantes da história da banda, incluindo desde os 25 músicos que passaram por ela – e mesmo os fãs mais hardcore da banda tem dificuldade de lembrar de todos eles; a grande figura do renascimento, quando tudo parecia perdido: Ronnie James Dio; além de nomes poderosíssimos de bastidores que moldaram as décadas seguintes da banda, como, entre eles, Sharon Osbourne, a infame esposa de Ozzy. Entretanto, talvez uma das inconsistências da biografia seja justamente essa: é uma biografia da “entidade” Black Sabbath, não das pessoas. O que significa que, por questões de foco muito específico, algumas preciosas informações acabam ficando meio jogadas, como o macabro e criminoso entorno das grandes gravadoras, que se reflete no comportamento dos empresários da banda.
E mesmo entre tudo isso, o que fica de mais interessante não são os personagens, mas a narrativa: como dito na citação no início do texto, durante todo esse tempo, a recepção de tudo o que o Sabbath fazia era de ruim para pior. Considerados os subversivos entre os subversivos – além da pretensa carga do “satanismo” que nunca houve – a crítica massacrava a banda, e mesmo os fãs de rock tinham uma relação elusiva com eles. Tendo surgido entre o verão do amor e o punk rock, ainda havia, no início dos anos 70, a concorrência das bandas de rock progressivo, então no seu auge. Wall coloca, de forma interessante, a maneira como o Black Sabbath parece ter encontrado seu lugar no rock – literalmente – aos berros.
Para sempre das e nas trevas
A biografia segue os altos e baixos (mais os segundos do que os primeiros) da banda até 2010, ano de falecimento de Dio – justamente quando a banda recuperava sua aura reunindo aquela que era considerada uma das melhores formações. Lançada em 2013 na Inglaterra, ano em a banda lançou seu último álbum, 13, seu encerramento é amargo e um tanto melancólico, pois a sensação que fica é que, apesar de toda a fama, dinheiro e conquistas, o Black Sabbath nunca realmente se livrou do estigma que o acompanha desde o primeiro dia.
Nunca não apenas houve redenção para o quarteto que inventou o gênero que inspira a maior fidelidade dos seus fãs, como, para muitos, a banda há muito já foi superada. Wall não se priva de apontar que, durante a maior parte de sua história, o Sabbath foi uma banda autofágica, se alimentando cruelmente da aura que projetava. No entanto, existe algo de paradoxal: mesmo praticamente esquecida e relegada, ainda inspira não apenas essa biografia como inúmeras outras. Mesmo esquecida e relegada, ainda moveu multidões para vê-los uma última vez. Mesmo esquecida e relegada, ainda é a principal influência dos músicos do metal que movem legiões ainda maiores fãs.
Estão, sim, fadados a viver eternamente nas sombras. Mas isso não importa. Pois, parafraseando o Bane de Christopher Nolan: outras bandas apenas adotaram as sombras. O Black Sabbath nasceu nelas.
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