Autora desvenda dez mulheres repletas de bons argumentos em Afiadas
Todos ficamos felizes ao receber um elogio. É sempre motivador perceber que estamos agradando. Mas será que existem elogios mais cobiçados que que outros? Sim, existem. Pergunte para qualquer mulher com uma atividade ligada a criatividade e/ou a pesquisa se ela não trocaria um “como você é bonita” por um sonoro “como você escreve bem”. A jornalista e crítica canadense Michelle Dean resolveu garimpar mulheres que desejavam fazer de seus escritos materiais importantes para a sociedade e serem lembradas pela habilidade com o verbo e não pela elegância de suas roupas. O resultado é o ótimo e revelador Afiadas: As Mulheres que Fizeram da Opinião uma Arte.
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Lançado no final do ano passado pela editora Todavia, o livro dedica suas mais de 300 páginas em traçar um breve, porém bem elaborado, perfil de dez mulheres que marcaram a literatura, a filosofia, os roteiros e também a crítica de cinema. São elas: Joan Didion, Rebecca West, Nora Ephron, Susan Sontag, Janet Malcolm, Hannah Arendt, Mary McCarthy, Dorothy Parker, Renata Adler e Pauline Kael. Pode ser que você reconheça o nome de algumas ou sequer tenha ideia do que elas fizeram para merecerem ser tema de uma pesquisa que resultou em um livro. Não se sinta menosprezado por isso. A sociedade patriarcal sempre deu mais espaço, voz e linhas para os homens que foram contemporâneos dessas moças. Se por medo ou por preguiça, jamais saberemos.
O que importa de verdade é que Michelle Dean dedicou muitas horas para recontar a história da cultura pelos olhos femininos. Afiadas é uma surpresa a cada página, colocando em cheque até mesmo os rumos que a poesia e a sociologia tomaram por conta de algumas autoras terem sido, em diferentes níveis, apagadas do hall de grandes pensadores do século XX. Apagadas talvez não seja uma boa definição. Elas sequer foram citadas ao lado dos grandes em alguns casos. A função do trabalho da autora é justamente abrir os olhos dos amantes da leitura para novas maneiras de pensar a vida. E, por mais que muitos insistam em dizer o contrário, ser mulher faz com que nossas preocupações e atenções sejam diversas das dos homens. Não por conta de nossos ovários, mas porque parte do mundo acha que são eles que nos fazem diferentes, e não nossos cérebros.
Espertas Demais
Afiadas não se reduz a dedicar apenas um capítulo para cada uma das dez escolhidas. A opção por traças paralelos entre elas e até mostrar suas influências sobre outras mulheres que se arriscavam (sim, era um risco para muitas delas abrir a boca ou escrever um texto) a emitirem suas opiniões em locais onde não se esperava sequer que elas frequentassem. A imagem de homens discutindo as criações de F. Scott Fitzgerald ou Ernest Hemingway aparece em filmes, romances e afins. Mas muitos ainda retratam um encontro de mulheres como um local onde se fala sobre receitas de bolo e comprimento de vestidos. Logo, as personagens de Afiadas têm em comum, além da escrita certeira, o sarcasmo e a ironia na hora de responder aos críticos de seus trabalhos, quebrando a ideia de que feminilidade está ligada à fragilidade e à eterna vocação para apaziguar conflitos.
É provável que Afiadas seja um livro associado ao feminismo. Não que não faça parte da teoria (sim, feminismo é uma teoria, não uma moda passageira) revelar mulheres que foram importantes para suas áreas, mas há uma tendência em utilizar feminismo como adjetivo para qualquer coisa que envolva mulheres. Desde o prefácio, Michelle Dean deixa claro que, apesar de algumas das mulheres que pesquisou assumirem sua simpatia pelo feminismo, muitas discordavam em vários pontos e haviam até as que não queria sequer ouvir falar sobre ele. Hannah Arendt foi importantíssima para o seu tempo e alguns de seus trabalhos hoje são guias de muitas mulheres interessadas em romper o forte machismo presente na filosofia. Mas sororidade não era o forte da alemã. Unir forças com outras mulheres não lhe interessava nem um pouco, assim como ser questionada sobre a influência de seu gênero sobre seu trabalho científico.
Afiadas é discreto e respeitoso ao falar sobre as divergências e até brigas entre essas mulheres cheias de opinião. O foco mesmo é mostrar como elas produziram tanto ou até mais que seus contemporâneos homens e acabaram destinadas a serem notas de rodapé enquanto eles ganham bibliografias gigantescas. Um dos capítulos mais interessantes é o dedicado à crítica de cinema Pauline Kael. Acostumada a ter seu senso de humor ácido associado à questões pessoais por quem se sentia ofendido com seus escritos, ela aprendeu cedo o quando é difícil a vida de uma mulher num ambiente dominado por homens. Se questionava a qualidade de um filme, era chamada de amarga. Houve até quem recomendasse o casamento para Kael tornar-se “uma mulher mais doce”. Enquanto isso, críticos homens não mediam palavras para algumas produções e estava tudo bem, era parte do trabalho deles.
Seu famoso texto sobre O Último Tango em Paris, onde ela exalta a maneira como a personagem de Maria Schneider expõe seu corpo, foi execrado por muitas mulheres, afirmando que Kael estava reforçando a ideia da mulher como objeto no cinema e supervalorizando o sexo presente no filme. Pauline nunca escondeu que a subjetividade sempre levou vantagem sobre a análise técnica em suas críticas e não seria diferente num filme que exala tesão como a obra de Bernardo Bertolucci. O que fazia com que ela fosse acusada de “crítica menor” é justamente a característica que torna seus textos deliciosos de ler até hoje.
Michelle Dean dedica o livro à todas as pessoas a quem foi dito para tomarem cuidado por serem espertas demais. Em tempos onde há quem perca tempo discutindo sobre se a cor rosa é coisa de menina ou de menino, um livro como Afiadas é uma descoberta e tanto e muda inclusive nossa lista de autores preferidos e, porque não, de elogios. Como diz o poema da indiana Rupi Kaur:
“Quero pedir desculpa a todas as mulheres que descrevi como bonitas antes de dizer inteligentes ou corajosas. Fico triste por ter falado como se algo tão simples como aquilo que nasceu com você, fosse seu maior orgulho, quando seu espírito já despedaçou montanhas. De agora em diante vou dizer coisas como, “você é forte” ou, “você é incrível!”, não porque eu não te ache bonita, mas porque você é muito mais do que isso.”
Se você conhece alguma menina “esperta demais”, recomende esta leitura. Ela corre o sério risco de se tornar uma mulher incrível.