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A Vegetariana – Entre a repressão e a catarse!

“A Vegetariana” entrega uma história intoxicante de violência, erotismo e destruição

A Vegetariana, romance escrito pela sul-coreana Han Kang, publicado aqui no Brasil pela editora Todavia (O Bulevar dos Sonhos Partidos) é a amostra definitiva de que um livro que tem somente 170 páginas consegue prender o leitor, o atingindo de uma tal forma que não vemos emmuitas publicações por aí. Não por menos, A Vegetariana já é considerado como um dos mais importantes livros da ficção contemporânea.

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Livro A Vegetariana

A Vegetariana é a história de uma mulher, Yeonghye, que mergulha na loucura ao ir contra as regras impostas por sua família e pela sociedade, tendo como estopim a recusa em comer carne e outros produtos de origem animal. A despersonalização da personagem principal é feita de forma crescente e intensa, com a escritora fazendo uso inteligente de cada detalhe, sem deixar nada subentendido. As agressões psicológicas, físicas e sexuais infligidas por seu marido e familiares é detalhada de forma feroz e ao mesmo tempo banal, mostrando que a dor aplicada como forma de correção é algo corriqueiro.

A trama é narrada do ponto de vista de três personagens diferentes, de forma linear e de fácil compreensão. Seus capítulos se iniciam logo após o último ato ocorrido no anterior e da continuidade partir deste ponto, com diferença de pouco tempo entre eles. Durante a leitura, percebemos, de forma simultânea e gradual, o desenvolvimento de sentimentos escondidos no âmago de cada um dos personagem que fazem parte da vida de Yeonghye.

A mudança alimentar da protagonista se inicia quando ela começa a ter pesadelos que envolvem sangue, canibalismo e um sentimento aterrorizador de familiaridade. Conforme vai retirando a carne de sua vida, Yeonghye vai libertando sua alma. Ela pouco fala, ou melhor, balbucia algumas palavras quando lhe dão a voz.  Como ela é retratada através dos olhares daqueles que a rodeiam, logo somos reféns dos rótulos sociais. Durante a primeira parte do romance, nós conhecemos Yeonghye pela visão de seu marido, que a retrata como uma mulher sem atrativos e de pouca personalidade, descrita com total desinteresse por ele, que se vangloria de ter se casado com alguém que não representa um tipo de ameaça ao seu frágil ego.

Livro A Vegetariana

A autora Han Kang

Uma realidade estranhamente familiar

A simples decisão de Yeonghye provoca revolta em seus familiares, esta expressada na forma de violência física e sexual, fazendo-a mergulhar em uma profunda melancolia e despersonalização, quando nota que a única forma de ser pura é tornar-se parte do natura,l como uma flor ou uma árvore, para se distanciar da brutalidade da sociedade. A Vegetariana apresenta problemas intrínsecos a uma sociedade que não aceita o diferente. Um detalhes importante é que, em nenhum momento é informado para o leitor em que ano se passa a história. É isso que torna tudo mais intenso, pois notamos que nada mudou de verdade em nossa sociedade e não há prospecção de melhora.

A história passa do pesadelo para o desejo quando adentramos cada vez mais pelos seus atos. Depois de recebermos a descrição de uma insossa mulher por parte do seu marido, passamos, no segundo ato , a vê-la como alguém extremamente erotizada e misteriosa na construção de seu cunhado. Podemos ver a primeira consequência da rebelião de Yeonghye quando seu cunhado descobre que a vida é muito mais do que as regras impostas pelos outros Sentindo-se castrado e sem saída para expor seus desejos eróticos, ele nota que a cunhada é o que lhe faltava para completar seus sonhos.

Nós,como leitores, tiramos as nossas próprias conclusões de forma livre, da mesma maneira que os personagens, pois temos acesso somente a um lado da história durante toda a leitura.E isso é o que instiga o leitor a tentar compreender o que está acontecendo até o final do livro. Como alguém aparentemente normal (se é que isso existe), pode se portar assim e que fim terá este ciclo de autodestruição que vai aumentando a cada página?

O último e derradeiro ato é composto pela visão de Inhye, irmã de Yeonghye. Após ser apenas espectadora da ruptura na vida familiar causada por Yeonghye, agora é ela quem deve cuidar da irmã, lidar com sua própria solidão e ainda ser uma mãe responsável, além de tentar entender sobre o mundo que lhe cerca.

Como forma de organização social, criamos categorias para nós mesmos e, por consequência, categorizamos aqueles que estão a nossa volta, sendo que possuímos mais camadas do que apresentamos, pois somos seres com sentimentos complexos. Assim como a nossa protagonista, que não pode em momento algum falar por si mesma e foi sendo levada pelo o que os outros acreditavam que ela fosse. Parafraseando Brian Johnson (Anthony Michael Hall) em Clube dos Cinco do diretor John Hughes: “[…] Você nos enxerga como você deseja nos enxergar. Em termos mais simples e com as definições mais convenientes […]” Uma frase que resume muito bem A Vegetariana, sem dúvida um dos livros mais interessantes lançados em 2018.

 

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