O terror e o suspense, enquanto gêneros literários e audiovisuais, têm uma característica bastante peculiar. Não que temáticas de outra natureza não possuam essa qualidade, mas lidar com monstros, assombrações ou qualquer tipo de manifestação sobrenatural traz um componente de ambiguidade e a possibilidade de leituras não tão literais de determinada obra. Isso quando o texto é levado a sério e bem executado, pois muita tranqueira já foi feita em nome do susto pelo susto – em muitos casos nem isso é alcançado – ignorando o potencial de tocar mais facilmente o psicológico do público. O medo é comum a todos, porém atingir os nervos certos em uma narrativa não é tarefa fácil, muito menos quando se trabalha com representações arquetípicas ou metáforas.
O norte-americano e naturalizado britânico Henry James (1843 – 1916), nome importante do Realismo, criou uma novela ambivalente em A Outra Volta do Parafuso (The Turn of The Screw, 1898), com fantasmas atormentando uma pobre preceptora e seus pequenos protegidos. Não há como contradizer essa descrição, mas nem de longe ela resume o que o leitor encontra em suas páginas. A partir de uma introdução comum, onde um grupo se reune para ouvir histórias fantásticas, alguém manda buscar um relato escrito. A chegada destas páginas muda o foco, pois a personagem que as escreveu se torna a voz narrativa enquanto acompanhamos a leitura do registro. A tal jovem preceptora, que nunca cita seu próprio nome, é contratada por um rico proprietário para tutelar seu casal de sobrinhos órfãos. Com a condição de se encarregar totalmente das duas crianças, com ordens expressas de nunca incomodar o patrão sempre ausente, ela se muda feliz para a propriedade. O problema são os fantasmas do ex-mordomo e da ex-preceptora, morta logo após deixar o cargo.
Mais uma descrição que mal arranha a superfície. Antes de tudo, Henry James parece ter se preocupado em criticar a desagradável estratificação social e a falta de auto estima feminina da época, detalhes que são admitidos e aceitos pela protagonista sem nenhum problema. O terror em si fica pela percepção dela sobre a influência do casal de almas penadas no comportamento das crianças, cujas atitudes deixam o leitor em dúvida constante sobre o que está realmente acontecendo. “Se uma única criança aumenta a emoção da história e dá outra volta ao parafuso, que diriam os senhores de duas crianças?” diz um personagem no início da história. Pura verdade!
As camadas de interpretação são inúmeras, a começar pelo título, dentro do jogo psicológico deste trio, mas a tensão é crescente. Exclusivamente por essa característica, A Outra Volta do Parafuso pode ser visto apenas como uma narrativa de gênero, mas mesmo por essa visão mais limitada ainda é mais que digno de ser lido. O leitor mais cabeçudo é recompensado com um prazer maior nas entrelinhas, ao procurar decifrar o texto pela conjuntura da época ou algum significado transcendente que se manteve atual. Além de tudo isso, vale depois assistir à clássica adaptação da obra para o cinema, Os Inocentes, dirigido por Jack Clayton em 1961, filme que influenciou outro belo exemplar cinematográfico envolvendo uma casa mal assombrada e crianças: Os Outros (2001), de Alejandro Amenábar.
Existem outras adaptações, mas prefira essa…