Home > Livros > Análises > A Lenda de Drizzt, Vol. 1: Pátria – Volume digno!

A Lenda de Drizzt, Vol. 1: Pátria – Volume digno!

A Lenda de Drizzt tem início neste ótimo volume

A Lenda de Drizzt – Vol. 1: Pátria faz jus ao nome – é realmente uma lenda. Ao menos entre os fãs de RPG; particularmente os de Dungeons & Dragons. Lançado esse ano pelo Editora Jambô, foi uma grata surpresa – menos pela sua republicação, que não é inédita, e mais pelo anúncio da publicação estável e contínua do resto dos volumes, o que de fato ainda não aconteceu. Afinal, trata-se de uma tarefa nada menos que hercúlea: somados, todos os romances baseados em cenários de D&D – como é A Lenda de Drizzt – batem a casa das dezenas, remontando mais de 3 décadas de publicação. Mesmo esse volume, Pátria, comemora em dezembro nada menos que 28 anos de sua publicação original nos Estados Unidos.

Compre clicando na imagem abaixo!a lenda de drizzt

Nem todos são bons; de fato, a imensa maioria é um monte de fan service para jogadores de RPG e/ou tranqueiras descartáveis. Não é o caso do livro que comentamos aqui. Na verdade, tão interessante obra de fantasia que é, a “Trilogia do Elfo Negro”, como também é chamada, já foi até citada aqui no Formiga anteriormente – no artigo que você pode conferir aqui. De fato, existem muitos aspectos curiosos e instigantes que cercam esse volume. Mas estamos nos adiantando. Afinal, quem é Drizzt?

Sob a superfície de Faêrun, onde ali se ergueram um dia os chamados Reinos Esquecidos, existe um imenso continente, formado por complexos de cavernas e salões subterrâneos que se estendem para além da imaginação dos habitantes acima deles. Local bastante desaconselhável para os incautos, o Underdark, como é conhecido, é o lar de muitas criaturas tenebrosas, matéria dos pesadelos de muitos seres. Entre essas criaturas pouco amigáveis, estão os drow, um raça de elfos que renunciaram a luz e a superfície – ou assim se pensa. Espalhados pelo Underdark, eles ergueram cidades que desafiam a sanidade. Entre elas, a grande metrópole do reino drow, Menzoberranzan, construída sobre as colossais estalactites e estalagmites que pontuam os grandes vãos do subterrâneo. Ali, a sociedade drow se estrutura. O que quer que “estrutura” signifique para os drow.

Uma sociedade onde “honra” é um conceito abstrato e “dignidade” algo tomado à força, os drow tem poucas referências gerais de organização. A escravidão é a base do reino. Pobreza e miséria são sinais de fracasso – a morte dessas pessoas importa pouco ou nada. A nobreza vive sob um sistema rígido de castas, onde a mobilidade social é definida, no geral, por uma habilidade específica: a capacidade de um indivíduo de meter uma faca nas costas da pessoa que ocupa o posto desejado. Sabe tudo aquilo que você aprendeu sobre os alertas de Thomas Hobbes para a sociedade humana? Os drow adotaram como Constituição.

A única pedra angular desse frágil sistema é a rédea curta da deusa que rege os drow: Lolth, a deusa-aranha da feitiçaria, trapaça e da morte. Mesquinha, maligna e constantemente presente, Lolth deu as bases na qual a sociedade drow se desenvolveria em torno. Isso significa, em resumo, três coisas: primeiro, como já mencionamos, a morte é uma ferramenta de trabalho. Segundo, a magia e a perversão da ordem natural das coisas são a melhor maneira com a qual os drow podem submeter o mundo aos desígnios da sua deusa. Terceiro, whoes before bros. Exatamente. Os drow são uma sociedade matriarcal – brutalmente matriarcal, onde as mulheres – em particular as feiticeiras – comandam com punho de ferro.

O que, para todos os efeitos são péssimas notícia para Drizzt Do’Urden, nascido na nobre Casa de Do’Urden, já que, segundo a cultura drow, o terceiro filho de um casal deve ser oferecido em sacrifício à deusa Lolth. Entretanto, uma rusga entre casas termina com o irmão mais velho de Drizzt assassinado, permitindo a ele viver. Esse fato, associado a pouco habitual cor de seus olhos, é interpretado como um sinal de que o destino do infante pode ser maior do que todos imaginam. Em meio a esse caos político, cultural e de violência, ele irá crescer para se tornar o que esperam dele. Ou algo completamente diferente.

Aclamado pelo povo

Como o amigo leitor já pode perceber, Pátria é uma história de origem para o carismático elfo negro. O que não deixa de ser uma curiosidade já que, como explicado no link para o artigo apontado acima, Drizzt inicialmente era um coadjuvante para outros personagens de uma outra trilogia que usa Forgotten Realms – os tais “Reinos Esquecidos” – como cenário, a chamada “Trilogia do Vale dos Ventos Gélidos”. Entretanto, acabou roubando a cena e, sob uma montanha de pedidos de fãs, o autor R.A. Salvatore acabou dedicando toda uma trilogia de livros para o personagem como protagonista. Uma decisão extremamente acertada.

a lenda de drizzt

R.A. Salvatore!

Porque, embora seja uma história de origem, fica claro já em Pátria porque A Lenda de Drizzt alcançou as proporções que alcançou – embora Salvatore não seja nenhum gênio da escrita, nem criador de grandes cenários fantásticos, neste volume encontramos um autor em estado de graça com seus personagens. Aqui, sua escrita, dinâmica e pouca afeita à grandes locuções e descrições, funciona perfeitamente. Menzoberranzan é um lugar extremamente hostil, e Salvatore consegue transmitir toda a tensão e frieza da sociedade drow – criando um contraste muito interessante com a personalidade mais benévola – ou menos cruel – de Drizzt.

Seu caminho não é fácil, é a progressão dos eventos ditada pelo autor é bastante orgânica. A jornada do herói de Drizzt – entre fugir da opressão e da violência da sociedade matriarcal por ser um macho, até decidir romper de vez com seus grilhões culturais e passar a mirar a superfície – é absolutamente crível. Embora, em termos de técnica e criatividade, não seja nenhum Moorcock, a melancolia e reflexões escritas por Salvatore para o elfo, provocadas pelo ensejo e pelos inúmeros eventos que pontuam sua vida, nos permitem compará-lo com personagens extremamente complexos como Elric.

De fato, ainda no campo das comparações, é salutar observar que, embora não utilize o método do “ponto-de-vista” utilizado por Martin, Salvatore consegue construir nessa trilogia o mesmo tipo de conflitos ético e políticos que todos os fãs de Game of Thrones aprenderam a amar. Um complexo e intrincado sistema político de Casas e castas, macabramente pincelado por conspirações e assassinatos – todo aquele tipo de coisa que faria Menzoberranzan se encaixar perfeitamente em qualquer canto de Westeros – se for debaixo da terra, claro.

Se você é fã, aqui tem service – mas do bom

Não obstante, ainda no campo das referências, fãs de D&D se esbaldam aqui. Embora tenhamos criticado outros tomos de ficção baseado em cenários de D&D por conta do excesso – ou simplesmente depender de – de fan service, aqui a crítica se torna elogio. Salvatore não depende do cânone do jogo para conduzir sua aventura, mas o utiliza com maestria para engrandecer a mitologia interna da narrativa. Jogadores veteranos vão reconhecer ali locais, magias e monstros conhecidos dos livros de jogo; leitores que nunca chegaram perto de um dado de 20 lados podem se divertir na mesma medida, já que o livro em nada depende disso. Ao contrário, é tudo uma construção climática em torno do exótico protagonista.

Claro que isso implica em certas características que podem incomodar certos leitores. A Lenda de Drizzt – Pátria é um livro extremamente dinâmico, e a falta de qualidade descritiva de Salvatore é reconhecidamente um de seus pontos fracos. É uma questão de perfil de leitura. Se a você agrada as minuciosas descrições tolkienianas, passe longe. Se te incomoda as desnecessárias e redundante proposições narrativas em que Martin muitas vezes acaba tropeçando, caia de cabeça aqui sem dó.

O volume da Jambô ficou muito bonito e bem tratado – à altura do seu conteúdo, que merece um lugarzinho bacana na estante de velhos nerds da fantasia, e que tem um preço acessível. A única ressalva fica por alguns problemas de edição e revisão, que devem ser corrigidos nas inevitáveis – dado o sucesso, espero – reimpressões.

A Lenda de Drizzt – Pátria abre com chave de ouro as portas de um universo incrível e, apesar da idade, ainda praticamente desconhecido do grande público. Vamos torcer para que obtenha o sucesso que realmente merece. Mas sem a “ajuda” da HBO ou do Amazon Prime, se possível…

Já leu essas?
Ficção Científica - Hard e Soft
A diferença entre Ficção Científica Hard e Soft no Formiga na Tela!
Border - Filmes perturbadores
Border, filme perturbador sueco, na pauta do Formiga na Tela
FormigaCast 200
Não tem pauta no FormigaCast 200!
Eis o Homem - Michael Moorcock
Eis o Homem, de Michael Moorcock, no Formiga na Tela!