Alejandro Jodorowsky, Zen Budismo e mais em A Jornada Espiritual De Um Mestre
Desde já, é preciso salientar que esse é um livro que, óbvio, interessa a todos os admiradores do trabalho de Alejandro Jodorowsky. Conforme esse grupo já está cansado de saber, a vida do cineasta e roteirista é, eufemisticamente falando, excêntrica e as situações narradas em A Jornada Espiritual De Um Mestre (Editora Gryphus, 2016) são dignas de um filme ou de uma HQ do autor chileno. Exatamente por isso, se você não suporta essa pessoa ou seu trabalho, o que é bem difícil separar, passe longe.
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Porém, se você continua lendo estas linhas, é bem provável que tenha algum interesse nesta singular figura das artes, nascida em 1929. E sobre o que é o livro? Mais do que uma autobiografia em moldes comuns, A Jornada Espiritual De Um Mestre se ocupa de um recorte específico da vida de Jodorowsky. Ainda que seja constante a alusão de situações de sua infância, o que tem muito sentido para a proposta do texto, o assunto principal é a busca do artista por um estado pessoal mais elevado, através de seu relacionamento com o monge zen budista Ejo Takata, também radicado no México entre as décadas de 1960 e 70.
A própria história de Takata, cujos detalhes principais se entrelaçam com a trajetória de seu discípulo, já renderia um livro. Para os não familiarizados com o conceito, o koan é uma das ferramentas de reflexão do Zen Budismo. Pode ser um pequeno conto com significados profundos, mas também apenas uma pergunta. Quem já sabe algo sobre, talvez conheça um dos mais famosos, que indaga sobre o som de uma só mão batendo palmas. Sem respostas fáceis, os koans nos desafiam em outro nível de entendimento e a resolução deles quase sempre provoca um insight valioso.
Norteado pelo estudo dos koans, Jodorowsky organiza sua busca tutelada pelo monge, um caminho nada fácil. Partindo de um momento em que já era um respeitado autor de teatro, temos a oportunidade de conhecer detalhes mais pessoais do artista e da pessoa. É evidente que a estranheza de muitos desses relatos e algumas felizes coincidências – ou talvez a enorme boa vontade daquilo que Jung chamava de Sincronicidade – farão alguns leitores duvidarem da veracidade. Mas isso não é motivo para descartar essa leitura.
Para quem se aventura por essas páginas, é bom prestar atenção como a própria relação do autor com certos casos acaba por propor uma perspectiva que nos faz olhar para essa estranheza de outra forma. Por exemplo, o envolvimento de Alejandro Jorodowsky com a mítica Irma Serrano, atriz conhecida como La Tigresa, e as várias lendas que a circundavam, o coloca em uma posição cética, que ele mesmo desconstrói para seguir em frente. Assim, se for possível a você assimilar a obra por esse prisma, é bem provável que será algo prazeroso e reflexivo na mesma medida.
Por isso, é melhor ignorar alguns questionamentos racionais que surgirem pelo caminho, deixando-se levar pela aventura do autor mais pelos próprios sentimentos que ela nos provoca. Isso, no entanto, não significa que é algum tipo de escrita experimental truncada feita sob o efeito de drogas. A estrutura tradicional do texto é, de forma muito interessante, contrastada pelas pessoas que cruzam essa trajetória, criando desvios com situações muito inusitadas.
Uma busca comum a todos
As famosas empreitadas cinematográficas são referenciadas em A Jornada Espiritual De Um Mestre, porém, nada muito aprofundado, pois esses são adendos dentro da proposta geral. De qualquer forma, a notoriedade e reconhecimento do filme El Topo, graças a John Lennon e Bob Dylan, e o projeto fracassado de adaptar Duna servem como pontos de ligação entre uma fase e outra desta existência dedicada ao exercício da arte.
Apesar de um título nacional que insinua arrogância, Jodorowsky não demonstra qualquer intenção de apontar um caminho para quem busca o mesmo que ele buscou no passado. Seria fácil cair na vala comum da auto ajuda, mas o que encontramos aqui é um esforço de compartilhar também os fracassos e inseguranças. A diferença é que o ambiente do artista e as pessoas que o rodeiam estão bem longe de um senso comum.
Mesmo assim, os anseios e frustrações são iguais aos de qualquer um de nós. A empatia – com o protagonista e até mesmo com Ejo Takata – é um elemento fundamental para a leitura fluir e cativar. Sem ela, teríamos apenas uma coleção de eventos estranhos, mas com apelo intrínseco inegável, com pouca relação entre si. O conjunto convida os leitores a interpretarem os koans deste caminho, além de, provavelmente, gerar interesse por essa faceta do Zen Budismo, entremeado por experiências místicas de outra natureza.
Chegando ao seu término, o ato final desta narrativa pode parecer um pouco deslocado do restante e com um encerramento abrupto. Mesmo assim, o relato sobre uma disputa judicial que gerou uma inimizade de décadas tem uma resolução com o poder de nos fazer questionar algumas das nossas próprias relações. Nada complexo demais ou piegas no raciocínio, com um simples exemplo servindo de receptáculo perfeito para um conteúdo psicológico profundo.
Resumindo, A Jornada Espiritual De Um Mestre é um livro que provoca tanto a mente, mas não no nível consciente, quanto o coração. Por isso mesmo não é uma viagem extremamente cerebral, o que agrega mais um valor a ele. É possível até levar essa leitura como um escapismo de ocasião, com belos picos dramáticos, mas o envolvimento e a entrega do seu autor soam tão verdadeiras que é difícil não se envolver.
E se isso tudo não basta, também é uma grande chance de saber mais sobre o pensamento de um verdadeiro artista.