Brilhante na ideia, Barbara Sena peca na execução de A Fogueira Da Bruxa
Em tempos que o feminismo está em voga, A Fogueira da Bruxa vem com a proposta de trazer uma revisitação ao tema sob a ótica da Idade Média, mais precisamente a Inquisição, período onde pessoas, sobretudo mulheres, eram acusadas de bruxaria, presas e queimadas vivas. Período este que durou entre os séculos XII e XIX, com força na Espanha, Portugal, França e Itália, este último, onde a história acontece.
À sinopse: Allegra Bellini, uma jovem inocente, bondosa e muito questionadora, mora em Toscana, Itália, com sua família, até o dia em que é acusada de bruxaria. A partir disso, ela conhece o mal dos homens e os próprios limites, tanto do corpo, quanto de sua alma e o quanto precisa mudar para sobreviver a este novo mundo.
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Ficção baseada em períodos históricos, carregada de críticas sociais ao machismo, misoginia, intolerância religiosa, limites morais e empoderamento feminino, é sempre terreno fértil não apenas para boas histórias, mas para a discussão que se mostra cada vez mais necessária em tempos atuais. Neste ponto, apesar de não ser necessariamente algo novo, a paulistana Barbara Sena tenta exteriorizar sua voz dentro da temática.
A obra começa extremamente promissora. A história é contada por um Narrador-Observador e em linguagem contemporânea para melhor interação do leitor, inclusive nos diálogos. Allegra é uma protagonista interessante, que demonstra força e leveza, ao mesmo tempo em que está presa aos costumes retrógrados e conservadores de sua época. A apresentação é suave e leva uma quantidade satisfatória de páginas, enquanto a complicação principal é realmente pesada, sendo direta e é, sim, visceral. A autora não mediu palavras na busca de mostrar a crueza das torturas da época, fossem elas físicas ou mentais. Não é uma leitura fácil aos olhos mais sensíveis, em parte porque há muita participação de seu vilão, o Inquisidor Klaus Furtwängler, o que, a contragosto, nos torna cúmplices de toda a sua crueldade sobre a protagonista. Assim, há um crescimento orgânico e coerente até metade da história, mesmo com uma falta clara de dialética sobre os temas.
(Tem interesse na temática de Bruxaria? Confira nosso podcast sobre o filme A Bruxa e nosso vídeo sobre o clássico Suspiria)
Os problemas narrativos aparecem a partir do momento que o mundo da protagonista se expande. Sem entregar maiores spoilers, o desenvolvimento fica corrido e extremamente randômico. O amor surge de forma rápida e o plano maior muda sem nenhuma consequência. Não há complicação a ser resolvida nesse período até que ele surja mais perto do final, onde a sanha de Allegra é saciada, se tornando o que tanto temia em prol da sua vingança, ainda assim, sem conflitos significativos. Seu endurecimento repentino e intenso contrasta com a facilidade surpreendente com que ela mata, tortura, manipula, chantageia e consegue o que quer no abrupto final, sem ter um único fator relevante de contraponto. O livro, neste aspecto, se resguarda o direito de ser delineado ao bel-prazer da personagem e isso é frustrante para a jornada da história, com a mão da autora pesando para beneficiar a protagonista.
Outro destaque negativo foi um roteirismo tremendo que dura todo o período que ela precisa se disfarçar, tomando um posto de destaque em determinado lugar onde só existem homens. Ninguém descobre que ela é mulher disfarçada, apenas com um capuz e voz engrossada. Mesmo quando Allegra aparece com rosto de perfil ou fala alto, não há um único fio de suspeita, como se isso fosse suficiente para enganar por anos a todos. O fato da pessoa esconder seu rosto em público já criaria suspeitas extremas em um lugar que este fato não é usual. Suspensão de descrença é válida para se encaixar no universo proposto, mas com um limite sutil entre a imaginação e o exagero, que aqui se exacerba afetando a narrativa de uma forma tão definitiva e pouco crível.
A edição física
Feita pela Editora Coerência, a edição física é desanimadora por causa de quase uma dezena de erros entre digitação e ortografia. Estão nas páginas 86 (“aquele seria um dia abençoada”), 104 (“odiar me”), 121 (Falta travessão ao final do diálogo “(…) possuem um assim Giulia calmamente (…)”, 137 (“povo ROM”), 173 (“Allegra []decidiu”), 177 (“mais de uma metro e meio”) e para terminar na 193, o último parágrafo é escrito sem uma vírgula e sem letra maiúscula onde é preciso, para que no início da página 194 ele seja desnecessariamente repetido de forma correta. Fora que há realmente muitos problemas de espaçamento entre palavras. Salvo a bela capa cartonada e sua contracapa, os erros de miolo são crassos demais.
Ao fim, percebe-se que A Fogueira da Bruxa é uma obra que nasce promissora, mas perde fôlego com problemas de escrita da ainda iniciante Barbara Sena e com uma edição recheada de erros gramaticais. O que é uma pena, já que um livro com temas sensíveis, mas, infelizmente, aquém de seu potencial, é sempre uma oportunidade desperdiçada de dizer realmente a que veio.