Rogue One: Uma História Star Wars foi comentado no Formiga na Cabine!
Star Wars sempre foi uma franquia voltada a um público infanto-juvenil. Dos ewoks, passando pelas corridas de pods até as recentes e divertidas animações, a criação de George Lucas nunca teve grandes pretensões de profundidade e carga dramática. Seu grande objetivo sempre foi vender a maior quantidade possível de produtos licenciados, em uma época em que memorabília nerd não era nem de perto o bom negócio que é hoje. Colecionáveis – salvo raras exceções de alguns adultos mais empolgados – eram coisas voltadas para criançada sim. Alguns amigos leitores podem argumentar sobre o Universo Expandido – mas perceba como isso é apenas uma tentativa de alargar o universo canônico a um público mais diverso e – talvez – mais exigente. É óbvio que é uma franquia divertidíssima e cativante, mas a verdade é que ela sempre contou com muito da nossa memória afetiva para o seu sucesso.
Entretanto, todos nós – que aprendemos a amar o universo de Star Wars quando jovens – crescemos. E os ewoks passam a parecer absolutamente desnecessários; as corridas de pods meio estúpidas; e aqueles montes de colecionáveis ficaram encostados em algum canto. E ficou aquela vontade de ver algo mais elaborado – ou, ao menos, mais sério – dentro da lenda criada por Lucas. Como seria realmente imergir nesse conflito entre os rebeldes e o Império, para além dos conflitos pretensamente shakespearianos entre Vader e Luke? Ou mais – como seria ver o Vader que a galáxia realmente aprendeu a temer, fora da faceta do pai relutante que vemos na saga original? Pois bem, amigo leitor. Prepare seu blaster, porque Rogue One: Uma História Star Wars (Rogue One: A Star Wars Story) é o filme que finalmente nos faz entender o “Guerra” em Guerras nas Estrelas.
Não existe alívio cômico ou bichinhos fofinhos em Rogue One. Existe sim uma tremenda – e muito, muito corajosa – mudança de tom em relação ao resto da franquia. Este filme não é um sci-fantasy light maniqueísta sobre homens de pijama e um vilão meio robótico duelando com espadas de laser colorido. É a história de uma guerra suja, de um grupo de pessoas desesperadas e sem recursos insurgindo contra um regime opressor e sanguinário, que destrói cidades a distância com um poder desproporcional e que mantém a população sob controle com a presença de um exército bem-treinado para instituir o medo. É a história de um conflito que deixa para trás um rastro de dor, sofrimento, famílias destroçadas e vidas perdidas, cuja resistência de um pequeno bando de desgarrados é calcada parte em um sentimento de vingança, parte em uma esperança distante e elusiva de vitória contra um inimigo muito mais poderoso. Ou seja, não é uma soap opera espacial, é um filme de guerra. E precisa ser entendido assim.
Não que ele precise desse adendo. O filme tem méritos próprios além da conta. A começar pelo fato de que a trama, confirmando as expectativas em relação a ela, de fato conserta um dos maiores buracos de roteiro – ou atalho ruim, como preferir – da história da franquia: a tal abertura na Estrela da Morte que permitiu a Luke mandá-la pelos ares em Uma Nova Esperança. Galen Erso (Mads Mikkelsen) é um brilhante cientista aliciado à força pelo Império para construir a arma principal da Estrela da Morte. Separado de forma brutal de sua esposa e de sua filha, Jyn (Felicity Jones), Galen decide resistir ao Império de forma mais inteligente: ele, deliberadamente, deixa uma falha no projeto da Estrela e conta com a ajuda de um desertor, Bodhi Rook (Riz Ahmed) para levar esse conhecimento até os rebeldes. Tem início uma sequência de eventos que irá levar Jyn até a Aliança, onde ela desempenhará um papel vital para que o plano de seu pai seja bem-sucedido.
Sendo um filme de guerra que é, Rogue One é muito mais sobre o contexto do que sobre um desenvolvimento narrativo específico ou mesmo sobre os próprios personagens. Pode-se incorrer no erro de acreditar que esse é um filme sobre uma mulher que se torna uma rebelde contra o Império. Não é. É um filme sobre uma rebelião que recruta pessoas para uma missão, custe o que custar, e sobre um Império que acredita piamente na superioridade de seu poder de fogo para desbaratar essa rebelião. Os personagens e sua narrativa são menos importantes do que as circunstâncias, e esse aspecto em particular é brilhantemente trabalhado pelo diretor, Gareth Edwards, de Godzilla, que exalta a ambiguidade moral dos seus protagonistas e o desespero da situação em que se encontram. Cassian Andor (Diego Luna), capitão da Aliança e responsável pelo recrutamento de Jyn, é apresentado de uma forma que justifica esse argumento e que certamente chocará a audiência, já que se trata, em tese, de um dos “mocinhos”.
É interessante notar que Andor, assim como outros personagens, como Saw Guerrera (Forest Whitaker), um extremista dentro da Aliança que representa a típica figura que não negocia ou planeja seus ataques, ou Chirrut Imwe (o fantástico Donnie Yen), uma espécie de “beato” da Força que mantém sua esperança inabalável sustentada pela sua fé, representam papéis que sempre surgem dentro de um contexto de guerra, e esse é um dos méritos de Rogue One. Seguindo a cartilha dos bons filmes de guerra, onde essa é sempre a protagonista, o roteiro de Chris Weitz e Tony Gilroy usa os personagens para dispor diferentes perspectivas sobre a situação, e nós temos uma compreensão mais aprofundada do que esse conflito realmente significa – e do quanto ele custa – para as pessoas daquele universo que não são poderosos usuários da Força ou caçadores de recompensa temerários. Lembra em Uma Nova Esperança, na cena em que Mon Mothma diz para o conselho da Aliança quase aos prantos que os planos da Estrela da Morte foram conseguidos “a um grande custo de vidas”? este filme nos mostra, de forma visceral, o tamanho desse custo e o porquê da expressão dessa mulher.
Talvez por isso Rogue One acabe provocando uma sensação de estranheza para quem vai assistí-lo acreditando ser um filme da franquia Star Wars. Seu ritmo é um tanto inconstante, intenso até demais, com pouquíssimo espaço para alívios cômicos, e, para quem não estava esperando um filme pesado de guerra, isso pode chocar negativamente. Incidentalmente, o gênero do filme, associado ao pouco talento de Edwards para direção de atores, torna outro aspecto do filme problemático – as atuações são medianas. Na verdade, os protagonistas Jyn e Cassian talvez sejam os menos envolventes em tela. Felicity Jones passa pelo diabo na tela com uma expressão de quem só está realmente muito chateada, enquanto Luna não convence muito como um sujeito com um passado perturbador. Acaba restando aos coadjuvantes tentar roubar a cena, mas o pouco tempo em tela e o volume de coisas acontecendo não permite grande destaque.
Os problemas não prejudicam o resto da experiência em si. Os efeitos especiais são primorosos e a sensação de profundidade, gerada pela perspectiva de destroyers estacionados sobre a cabeça das pessoas, ou a Estrela da Morte surgindo no horizonte, cria uma urgência, um sentimento de opressão em relação ao que vemos na tela, como se a derrota daqueles que chamamos de heróis fosse iminente. Não obstante, o preciosismo dos efeitos especiais não está apenas nas grandes perspectivas ou cenas de combate, mas também na incrível reconstrução facial de Peter Cushing, que retorna direto da cova para assombrar a galáxia como Governador Tarkin. Falecido em 94, o ator ganha uma reconstituição tão fidedigna que chega a ser até incômodo pensar que nós simplesmente podemos trazer qualquer um de volta à vida na tela.
Rogue One: Uma História Star Wars é tudo o que os fãs adultos da franquia poderiam esperar e até mais. Embora não tenha Jedis e as menções à Força sejam uma realidade distante pregada por monges cegos, o filme nos dá uma perspectiva completamente nova – e brutal – sobre os eventos da trilogia clássica. Não é nenhum exagero dizer que ele até mesmo – diante das novas informações que oferece – melhora a trilogia clássica. Todo esse novo contexto é tão bem construído e explorado que parece seguro dizer que o filme de Edwards é tão bom – embora completamente diferente em tom e intenções – quanto o melhor filme da franquia, O Império Contra-Ataca. Desconsiderada a memória afetiva que temos daquelas aventuras leves que dão a nota dos Ep. IV, V e VI, talvez seja até mesmo melhor. E se o amigo leitor duvida, espere o terceiro ato do filme antes de julgar. Ou melhor, espere até a última aparição de Darth Vader e, depois que você tiver colocado seu queixo no lugar, nós conversamos.
E que a Força esteja com você, porque, para chegar incólume até o final de Rogue One, você vai precisar.