Paterson ainda não tem data de estreia por aqui anunciada, mas está na 40ª Mostra Internacional de Cinema!
Para olhares mais comuns, o novo filme de Jim Jarmusch (Homem Morto e Amantes Eternos) é muito chato. Pode parecer um longa em onde nada acontece, mas – na verdade – todos os conflitos apresentados são internos e nunca são expostos. Na mão de um cineasta mais raso, Paterson (idem) poderia se tornar algo entediante, mas o diretor consegue deixar o longa hipnotizante e emocionante.
O história se passa em Paterson, Nova Jersey, onde o protagonista (Adam Driver) tem o mesmo nome de sua cidade. Ele vive todo o dia na mesma rotina: acorda no mesmo horário; vai para a rodoviária, onde trabalha como motorista de ônibus; escuta os problemas cotidianos dos passageiros; vai para casa, escuta os sonhos da esposa (Golshifteh Farahani); leva o cachorro para passear e, durante o passeio, pára no mesmo bar e bebe o mesmo tipo de cerveja. Nos tempos livres, Paterson escreve poesias como meio de expressão e sua companheira tenta encorajá-lo a mostrar suas obras para uma editora.
Não é possível falar mais sobre a história, pois ela é muito simples em sua estrutura. Por mais que o roteiro, que também é assinado por Jarmusch, carregue essa simplicidade narrativa, demonstra se tratar de um excelente estudo de personagem. Temos um protagonista introspectivo e introvertido, mas se mostra um personagem fascinante. Vemos que Paterson está feliz sendo um escravo da sua rotina (isso já pode se notar no seu nome, pois “pattern” significa “padrão”), que gosta do seu emprego e ama sua esposa. Esse último tópico se torna claro pela maioria dos seus poemas serem declarações a ela. Os próprios diálogos bem humorados mostram que ele é uma pessoa satisfeita, de certa maneira. Não só o personagem principal, mas todos os personagens do longa são muito bem escritos e desenvolvidos. Muito críveis, passando por situações muito humanas, o que permite que o espectador crie uma relação com eles.
O que deixa essa relação mais próxima é o ótimo elenco do longa. Todos estão bem, mas o grande destaque fica por conta de Adam Driver. Mesmo com a expressão fechada, ele consegue mostrar através do olhar os sentimentos de Paterson. Um exemplo é a cena em que ele vê na parede do bar os grandes nomes da cidade. Em poucos segundos percebemos que, por um momento, ele sonha em ser um novo orgulho, mas logo se acha uma pessoa medíocre. O ator consegue passar essa mudança no olhar em pouco tempo, além de ter uma presença de tela muito forte, o que é necessário, já que o acompanhamos em 99% das cenas. Outro ponto bem trabalhado é sua expressão corporal: cabisbaixo, o olhar vazio, o jeito de andar e a própria postura do ator fazem o espectador entender um pouco da natureza do personagem, além da voz ser sempre monotônica. Um trabalho mais que admirável.
A direção de Jim Jarmusch é excepcional. Primeiro, por demonstrar um invejável controle narrativo e estético, pois o cineasta sabe onde e como ir com os personagens, além de criar planos que dizem algo sobre eles (só notar o momento em que Paterson está em primeiro plano e sua esposa refletida no espelho, mostrando que vivem em universos diferentes). Jarmusch mostra que é um diretor que pensa em todas as camadas do longa, pois, desde o trabalho de câmera ao demais elementos de cena, tudo é muito bem pensado. Como a vida do protagonista é uma linha reta que não tem variação, a câmera está sempre estática e se limita a poucos movimentos, mas sempre seguindo o protagonista. O uso da mise-en-scène, a construção do espaço das cenas, é muito inteligente ao comunicar algo sobre os personagens. Por exemplo: a própria decoração da casa de Paterson e sua mulher mostra que ele serviu o exército e seu apreço pela simplicidade, enquanto ela é o oposto, pois gosta de pintar a cortina e o seu figurino é sempre mais espalhafatoso. Sempre que um diretor usa esses elementos ao seu favor, incorporando-os à linguagem, o resultado fica muito bacana.
A trilha sonora também merece destaque, pois é pontual e se torna mais um elemento para dizer um pouco mais sobre o universo interno do protagonista. É uma guitarra melancólica que vem enquanto o protagonista está escrevendo suas poesias.
Não há muito mais a acrescentar sobre Paterson. É um longa muito bem escrito, atuado e concebido em sua forma geral. Com um orçamento pequeno evidente e uma história muito simples, Jim Jarmursch mostra que, também no cinema, menos pode ser mais.
Por enquanto, trailer só no original!