Os Meninos Que Enganavam Nazistas contém um ótimo roteiro
Que diferença faz uma boa história! Provavelmente, de todos os elementos que constituem uma obra cinematográfica, o roteiro seja o único cuja presença é capaz de justificar satisfatoriamente a ausência dos outros. Quando ele é competente, as críticas costumam ser positivas, e quando é irregular, negativas. Em todos os sentidos, Os Meninos Que Enganavam Nazistas (Un Sac De Billes) é um filme que passaria despercebido, se não fosse o seu roteiro. Tanto na maneira em que é realizado quanto na época na qual a sua trama é situada, o longa é corriqueiro, porém, a sua poderosa história consegue elevá-lo a outro patamar.
Adaptado pelo próprio diretor, Christian Duguay, a partir de um livro homônimo – o qual, por sua vez, é baseado em uma história real -, o roteiro narra a trajetória dos irmãos Joseph (Dorian Le Clech) e Maurice Joffo (Batyste Fleurial). Pertencentes a uma família judia e morando na França em plena Segunda Guerra Mundial, eles precisam se afastar dos familiares para sobreviver. Fingindo ser nazistas para enganar os carrascos que desejam vê-los mortos, os dois são obrigados a enfrentar várias situações perigosas. O que os mantêm fortes é a esperança de reencontrar os pais e irmãos.
Os Meninos Que Enganavam Nazistas é um conto sobre o fim da inocência e, como tal, contrasta a singeleza da infância com a violência das atrocidades cometidas pelos oficiais da Gestapo. Ao abordar a Segunda Guerra Mundial através desse viés, os realizadores sabiam que não estavam inventando algo inédito. Muitas histórias já usaram o mesmo recurso. É por isso que, corretamente, investem em personagens sólidos, cuja construção não apresenta nenhum falha, e numa sucessão de eventos que dão à narrativa um ritmo ágil, mas nunca acelerado (um mérito também compartilhado pelo emprego da steadicam), ou seja, ao mesmo tempo que capta a atenção do espectador, o desenrolar de situações oferece a possibilidade de Joseph e Maurice serem desenvolvidos.
Essa combinação de trama envolvente com personagens bem construídos, quando realizada de maneira competente, transforma-se numa fórmula perfeita. Ao ver os dois irmãos saindo de uma situação perigosa para logo depois entrar em outra, o espectador, já inteiramente conectado com eles, não consegue tirar os olhos da tela e deixar de torcer para que encontrem um destino positivo. Além disso, o roteiro também tem o mérito de pontuar a narrativa com gestos bondosos de algumas das pessoas que cruzam o caminho dos personagens. Faz sentido que seja assim, afinal, mesmo numa situação excepcional como a guerra, há espaço para todos os tipos de ações.
O conto de fadas do diretor Christian Duguay
Explícita na própria estrutura narrativa, essa dualidade Bem x Mal é trabalhada com destreza por Christian Duguay. Percebam como as notas da trilha sonora e os tons quentes adotados pela fotografia e direção de arte fazem da primeira parte da história uma espécie de conto de fadas. Isso é essencial para retratar a forma como os dois garotos enxergam o Mundo: mágica e inocentemente (a cena em que os familiares são quase mortos por causa de uma de suas brincadeiras é a que melhor retrata isso). Depois, quando percebem a violência que os cerca, o filme adota um tom mais sóbrio, apesar de nunca abandonar completamente a sua atmosfera de encantamento.
Amparado por um elenco talentoso e carismático (Dorian Le Clech é uma revelação), Os Meninos Que Enganavam Nazistas derrapa um pouco no terceiro ato (o conflito envolvendo uma outra família surge muito tarde na narrativa para atingir o impacto emocional que os realizadores pretendiam), mas a brevidade do deslize consegue manter o roteiro quase intacto. Tudo o que está presente no longa já foi visto antes, no entanto, uma história poderosa sempre é capaz de subjugar a mesmice técnica e narrativa. De fato, assim como os recentes Paraíso e Dunkirk, este filme também nos mostra que a Segunda Guerra Mundial parece ser um tema inesgotável.