A Cinemateca Brasileira, em São Paulo, passa por tempos difíceis, mas ainda é uma excelente oportunidade para um roteiro cultural. Prova disso é mostra realizada entre os dias 25 de abril e 04 de maio, em homenagem ao grande cineasta francês, Alain Resnais, falecido em março deste ano. Serão exibidos quatro filmes pertencentes a última fase criativa do diretor, marcada pela preferência por críticas bem-humoradas aos costumes da sociedade burguesa europeia e a musicais inspirados em grandes produções norte-americanas, mas com estilo único.
Os filmes exibidos serão Amores Parisienses (1997), uma comédia de costumes musical considerada por muitos uma das obras mais irreverentes da carreira de Resnais, sem contudo deixar de lado as críticas sobre a futilidade da sociedade burguesa. Uma bela oportunidade de analisar as maneiras americanas e francesas de se produzir cenas musicais de qualidade. Medos privados em lugares públicos (2006) ficou mais de três anos em cartaz em São Paulo, recorde de exibição de um filme na cidade. O drama trata dos encontros e desencontros de personagens solitários perdidos em si mesmos. Foi um dos poucos resgates à linha que consagrara Resnais algumas décadas antes como vanguardista do sempre agitado cinema francês: o labiríntico psicológico humano, mas afinado a pegada eloquente que permeia a sua obra durante essa fase.
Já o díptico existêncialista Smoking/No Smoking (1993), se expõe como dois filmes que se dialogam formando uma única obra. Assim como Medos privados…. baseiam-se em uma peça teatral inglesa do dramaturgo Alan Ayckbourn. Os dois filmes (ou seria um?) somam mais 300 minutos em os mesmos atores interpretando diferentes personagens, que questionam as escolhas das próprias vidas a partir da dúvida de pegar ou não um cigarro. A estética cenográfica é o grande destaque deste filme pois, assim como em outras filmagens do período, subverte tendências até mesmo para os cinema de arte.
As obras escolhidas para homenagear Alain Resnais não atestam para o expectador não habituado ao estilo do diretor a verdadeira qualidade do homem que revolucionou a Nouvelle Vague dos anos 1950. O tema favorito do cineasta, a memória, é o que sustenta a melhor fase da sua carreira, a primeira, cujo maior representante é, justamente, a obra de estreia do diretor, Hiroshima, meu amor (1959). Entender e absorver Resnais não são tarefas fáceis. Trata-se de um intelectual criativo, mas hermético em muitas situações, adepeto de uma linguagem visual de difícil interpretação em um primeiro e superficial contato. Mas essas dificuldades iniciais são vencidas para quem propõe entregar-se de corpo e alma à narrativa, sem preocupar-se com as conexões lineares tradicionais. Resnais é uma pausa na busca cotidiana por sentidos que não existem na prática, tangíveis apenas através de tortuosas viagens ao mundo pessoal interior. Se você não conhece a obra de Alain Resnais, a mostra na Cinemateca é uma ótima oportunidade. Mas se você não puder conferi-la, não se preocupe, Resnais pode ser belo a qualquer hora e lugar.
Homenagem a Alain Resnais
De 25/04 a 04/05
CINEMATECA BRASILEIRA
Largo Senador Raul Cardoso, 207
próximo ao Metrô Vila Mariana