Esse é o filme de super-herói que o Chile merece?
Em 2007, a onda das adaptações de quadrinhos em Hollywood ainda não estava no auge, o que não impediu o surgimento de um curioso exemplar desse tipo de filme, vindo de um país sem muita tradição no gênero. Naquele ano, o Chile viu nascer seu primeiro, e até agora único, super-herói cinematográfico: MIRAGEMAN! Você nunca ouviu falar? Compreensível, afinal de contas, não se trata de uma adaptação de HQ, mas de um personagem que já foi direto para as telas.
O conceito de super-heróis no cinema, quando criados diretamente para essa mídia, pode dar resultados bastante interessantes – como Os Incríveis e Corpo Fechado (comentados neste episódio do Formiga na Tela)– mas também pode ser um grande tiro no pé quando não há uma compreensão clara dos arquétipos envolvidos e… Ah, quem eu estou tentando enganar? O problema aqui é bem maior, como um roteiro fraquíssimo e um diretor idem, isso só para começar, mas a ruindade em Mirageman não é aquela que faz a volta e se torna uma comédia involuntária, salvando a diversão. Mesmo fora do rótulo de trash, ainda poderia enveredar por um caminho mais juvenil e até caricato, por que não? Ao invés disso, tudo tenta ser levado tão a sério, dentro de um cenário inverossímil até a medula, que fecha a única saída do filme e torna o produto final uma chatice só.
O filme conta a história de Maco Gutiérrez, um segurança de boate e praticante de artes marciais, com um passado envolvendo pais mortos por criminosos. Durante uma corrida noturna, ele flagra um assalto a uma casa e nocauteia um dos ladrões no lado de fora. Dentro da casa, agora usando a máscara que pegou do marginal, ele deixa os dois restantes desacordados na porrada, salvando a dona da casa de um estupro. Como a quase-vítima é uma repórter sex symbol atrás de fama à todo custo, começa uma campanha na TV para que o mascarado justiceiro apareça novamente.
Assim, o parrudo bom de briga adota o nome de Mirageman, adapta um uniforme bem tosco por não ter recursos financeiros e começa a patrulhar as ruas no braço. Até uma conta de e-mail é aberta, para aqueles que necessitarem de um herói mascarado entrarem em contato com ele(!). Exatamente isso! E o filme se leva a sério, exceto por uma ou outra galhofa mal colocada, como tentativa de alívio cômico que não funciona nunca.
(Pior que a história de Mirageman guarda algumas similaridades com o Batman do Canadá… A vida imita a arte ou vice-versa?)
Já é estranho até aqui, não? Fica pior. Procurando tornar uma premissa bisonha dessas mais realista e sombria, a sutileza do roteiro e do diretor tem muito em comum com um rinoceronte dançando balé. Além da tentativa de estupro no assalto, nos primeiros momentos da narrativa, um recorte de jornal é focalizado, revelando o que aconteceu com a família de Maco. E não é que alguém achou que, além dos óbvios pais assassinados, uma criança violentada daria mais substância dramática ao nosso herói pobretão? O irmão mais novo do Mirageman foi atacado sexualmente e vive numa instituição psiquiátrica, longe de superar o trauma. Continuando por essa linha, o desafio maior do protagonista nesta narrativa é justamente uma… REDE DE PEDOFILIA!
Chega a ser cruel falar de interpretações depois da descrição acima, mas, já que chegamos até aqui, vamos em frente. Como todo o elenco é bem qualquer nota, melhor ficar apenas em Marko Zaror, que faz o protagonista desta tragédia. Com uma carreira que envolve além de atuação – na falta de um termo melhor – trabalhos como dublê e coreografia de lutas, em sua maioria dentro do Chile, seu maior momento até aqui parece ter sido uma participação em Machete Mata, de Robert Rodriguez.
Curto e grosso, dizer que o indivíduo é ator é uma falácia de proporções apocalípticas. A única coisa em que o cara convence é na persona de lutador fortão, mas como isso ele é na vida real, grande coisa. Isso não quer dizer que as coreografias, criadas por ele mesmo, são boas ou empolgantes. Apenas que se você visse o sujeito na rua, pensaria “Esse cara é lutador”, portanto, a conclusão é que, no filme, ele é mais convincente parado do que na pancadaria. Não basta que alguém tenha abertura quase zero, arrebentando tudo nas giratórias e voadoras, para que o público compre a ideia de que duas pessoas estão lutando pra valer. Tudo aqui é muito genérico e sem criatividade, anulando qualquer possibilidade de tensão da parte do espectador.
Nem a parte técnica se salva?
Sobrou falar da estética geral da obra como filme. Nossa, a coisa não melhora nem aqui! O diretor, Ernesto Díaz Espinoza, faz uso de uma edição surtada em alguns momentos, quando intercala as cenas com os desenhos do irmão traumatizado de Maco, em mais uma tentativa frustrada de aumentar a dramaticidade. Procurando criar uma marca estilística, que não acrescenta nada de qualquer forma, a cada novo trabalho de Mirageman, aparece um letreiro na tela informando o número e título da missão. A montagem tem erros grotescos e a câmera se mexe de forma inconveniente, mesmo em planos que poderiam utilizar um tripé.
Com o único – e discutível – mérito de ser o primeiro exemplar fílmico sobre um super-herói feito no Chile, Mirageman só poderia servir como exemplo daquilo que NÃO se deve fazer em um filme, sobretudo se envolver coreografia de lutas. Como o cinema sul-americano ainda não tem tradição no gênero ação/porrada, seria recomendável aqueles que tiverem interesse de investir no segmento darem uma olhada nisso, para evitar passar a mesma vergonha. Mesmo depois de gastar cerca de 90 minutos para conferir essa tranqueira, ainda fiquei imaginando o que aconteceria se outro país pertinho aqui, a Argentina, resolvesse investir em seu próprio super-herói do cinema, já que tem uma excelência reconhecida na sétima arte. Ricardo Darín como um Comissário Gordon genérico? Hmmm, melhor não…
Como o Youtube não perdoa quase nada, aí tem o filme completo!